Esse texto de Romanos 14 é simples e ao mesmo muito tempo complexo. Depende da nossa perspectiva. Da nossa cosmovisão.
Isso é fundamental entender para compreender o que está se passando aqui: todos nós temos uma cosmovisão do mundo, da vida.
O que é cosmovisão?
Cada um de nós tem uma forma particular de ver o mundo que nos rodeia. Somos formatados desde pequenos a ver o mundo de uma forma que é diferente da maneira como outras pessoas que foram formatadas em outros ambientes veem o mundo.
Cosmovisão é um conjunto de suposições e crenças que alguém usa para interpretar e formar opiniões acerca da sua humanidade, propósito de vida, deveres no mundo.
É muito difícil que duas cosmovisões concordem entre si. Exemplo: os gregos jamais concordariam com os persas.
Essa cosmovisão, agora cristã, também impõe imensas dificuldades.
Um grego se converte e um persa se converte. Aqui começa o problema desse texto que vamos analisar.
Cada uma destas pessoas continuam sendo o que elas eram dentro de suas culturas. O que é diferente é que agora cada uma irá adquirir uma segunda cultura, qual seja a cultura do evangelho de Jesus Cristo.
Em tese a cultura do evangelho vai nortear como cada pessoa deve agir a partir do momento da conversão a Cristo.
Vejamos então se é possível entender esse texto e aplicá-lo para a nossa realidade.
Transição
Na sua simplicidade o texto trata de relacionamentos interpessoais e relacionamento com Deus.
Precisamos deixar bem claro que o texto inicialmente está tratando de alimentos e dias santos. Paulo quer aqui chamar a atenção dos cristãos sobre uma prática comum em todos os seres humanos: julgar, ou exercer julgamentos.
Nesse caso ele vê a questão dos alimentos e dias santos como sendo de menor importância para a vida diária da comunidade. Tem coisas mais importantes do que isso, ensina ele.
Todavia, se esse é o ensino primário, podemos trazer a mesma diretriz para os dias em que vivemos quando a intolerância na comunidade não é mais sobre alimentos e dias santos, mas sobre as centenas de coisas que afligem a sociedade moderna?
Contexto da carta aos Romanos
Preparar para sua chegada em Roma e fazer a base para futura viagem a Espanha,
Defender seus ensinamentos
Promover a unidade de igreja entre judeus e gentios. Os judeus que haviam sido expulsos pelo imperador Claudio estavam retornando a Roma para uma igreja predominantemente gentílica.
As pessoas envolvidas no texto
Paulo divide os cristãos de Roma em dois grupos: os fracos na fé e os fortes na fé.
O elemento que ele usa como ponto de referência é a comida, os alimentos.
Logo no início ela cataloga essas pessoas como fracas na fé. Está implícito aqui que é a fé em Jesus Cristo. Este ‘aceitem’ também está implícito que também possuem a fé em Cristo.
Assim, o que Paulo recorda é que ambos estão em Cristo por meio da fé. Se um é fraco, a sua fraqueza não tem importância porque foi aceito por Deus.
Se um é forte, a sua força também não tem importância porque da mesma forma foi aceito por Deus por meio da fé.
Quem eram os fracos na fé?
Os fracos na fé eram as pessoas que vinham do judaísmo e ainda operavam dentro dos conceitos legalistas da tradição judaica.
Quem eram os fortes na fé?
Provavelmente os gentios que não tinham nenhuma lealdade aos ensinamentos judaicos.
Em Efésios 2:18 Paulo nos ensina isso quando afirma: “Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito”. Este ambos se referem aos judeus e gentios. Dois grupos distintos que agora estão na comunidade de Deus e o meio de entrada foi a fé.
Por isso, ele já inicia o texto apelando para uma vivência pacífica: Aceitem o que é fraco na fé, sem discutir assuntos controvertidos. Romanos 14:1
Accept other believers who are weak in faith, and don’t argue with them about what they think is right or wrong.
Accept him whose faith is weak, without passing judgment on his opinions.
Romanos 15.1
Romanos 15.7
Temos na sequência do texto várias situações que Paulo orienta:
1. Não desprezar
2. Não julgar
3. Ter convicção sobre o que pensa
4. Que ninguém viva apenas para si mesmo
5. Todos vamos ser julgados
6. Todos prestaremos contas a Deus
7. Não colocar obstáculos para o outro
8. Não colocar pedra de tropeço
9. Agir por amor ao próximo
10. Não destruir o outro por causa de preferências
11. Não tornar as coisas objeto de maledicência
12. Não destruir a obra de Deus
13. Não levar o outro a cair
Como ultrapassar as divergências que existem entre nós?
As situações descritas no texto ocorrem com resultados da cosmovisão cultural que ainda não foi subjugada a cosmovisão do evangelho.
Cada um continua pensando e agindo conforme o modelo anterior ao encontro com Cristo.
Assim, a pergunta é: como estas divergências serão solucionadas?
Paulo apela:
- A aceitação do irmão / irmã como membro da família da fé é mais importante do que as opiniões que a pessoa manifesta.
A não aceitação acarreta consequências tais como excluir a pessoa da mesma fé porque ela tem pontos divergentes dos meus.
O perigo dos julgamentos na comunidade.
Paulo faz então uma afirmação bastante pesada: Quem é você para julgar o seu companheiro de comunidade da fé? O que você tem melhor que ele não tem? Se Deus aceitou aquela pessoa, quem é você para não aceitar?
Por quais razões não devemos julgar?
– Pois todos compareceremos diante do tribunal de Deus.
– Cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus.
Ou seja, você e eu não iremos prestar contas sobre a vida que o outro levou.
- É necessário ter convicção sobre o que pensa e essa convicção não depende da aprovação do outro.
- É necessário exercitar o bom senso e o altruísmo cristão.
Como alguém que está no Senhor Jesus, tenho plena convicção de que nenhum alimento é por si mesmo impuro, a não ser para quem assim o considere; para ele é impuro.
Aquilo que é bom para vocês não se torne objeto de maledicência.
– Mesmo sendo algo que agrade a você, existe a possibilidade de você tornar essa mesma coisa um objeto de maldade. Isto se dá porque praticamos mesmo sabendo que o outro não está sendo tomado em consideração.
Por fim, Paulo apela para algo maior do que todos os outros argumentos.
Ele apela para duas coisas trágicas que precisamos levar em consideração quando estamos em comunidade:
– Não destrua seu irmão, por quem Cristo morreu.
– Não destrua a obra de Deus por causa da comida.
O apelo de Paulo é que olhemos para algo maior do que as nossas preferências.
Quando somos divergentes e somos, precisamos de algo maior para focalizarmos as nossas energias.
Uma ilustração em Filipenses 4 quando as irmãs Evódia e Síntique tiveram um desentendimento. Paulo afirma que as duas cooperaram com ele no evangelho e que elas deveriam ser ajudadas a pensar concordemente em Cristo.
Neste texto o apelo de Paulo é o reino de Deus.
17 Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo;
18 aquele que assim serve a Cristo é agradável a Deus e aprovado pelos homens.
A justiça é o fruto natural de quem é convertido (1Jo 2.29). A paz é possível por causa de Cristo – o Príncipe da paz e quando depender de nós devemos ter paz com todas as pessoas (Rm 12.18). A alegria é saber que ela não vem por causa do que fazemos, mas por causa da orientação diária do Espírito Santo.
Conclusão
A ironia desse texto está escondida nas linhas de Paulo.
A ironia é todos são fracos. Todos os membros da comunidade são fracos nos seus relacionamentos porque não compreendem a supremacia de Cristo dentro da igreja.
O fraco na fé é fraco porque julga os outros ao continuarem comendo os alimentos que eles creem serem impuros. Olham então com desdém para os mais antigos ou para aqueles que não concordam com seus costumes, ou cosmovisão. Muitos abandonam a comunidade.
O forte na fé também é fraco. É fraco porque não consegue tolerar os que pensam diferentes daquilo que fazem costumeiramente e se julgam libertos das infantilidades dos fracos na fé. Ao não aceitar o fraco, o forte demonstra exatamente a mesma fraqueza.
Uma ilustração disto em Gálatas 6.1: Irmãos, se alguém for surpreendido em algum pecado, vocês, que são espirituais deverão restaurá-lo com mansidão
A Bíblia em toda a sua inteireza é sobre unidade.
19 Por isso, esforcemo-nos em promover tudo quanto conduz à paz e à edificação mútua.
A minha pergunta é para todos nós indistintamente:
Você é fraco ou você é forte?
Autor: Antonio Carlos Barro
Faculdade Teológica Sul Americana