Neste sermão teremos a oportunidade de refletir sobre o paradoxo do poder.
Mc 10.35-45
Introdução
– O cristianismo é a religião dos paradoxos, isto é, da união ou coexistência entre os contrários. A lógica do cristianismo é ilógica, porque tudo é invertido, de ponta-cabeça.
– Caso se comprovasse que o cristianismo, como religião histórica, fosse uma farsa, uma marca de Jesus e dos evangelhos nunca sairia de mim: a inversão de todos os valores!
– Aqui vão, como ilustração, alguns paradoxos que podem ser achados no evangelho:
- O paradoxo do filho de Deus que também é filho do homem – Deus se fazendo gente como a gente é talvez a maior singularidade do cristianismo.
- O paradoxo da felicidade: felizes ou bem-aventurados não são os que possuem ou os “realizados”, mas os despossuídos, os perseguidos, os injustiçados que dependem e esperam tudo de Deus (Mt 5.1-5).
- O paradoxo da perda e do ganho – quem tenta a todo custo preservar sua vida, perde; que aceita perder a vida, então a encontra. “Liberdade” (J. Joplin).
- O paradoxo do reino de Deus, que não é desse mundo, mas para esse mundo; que não está nas mãos dos grandes, mas foi dado aos pequeninos;
- O paradoxo da fé, que é certeza das coisas que se esperam e convicção das coisas que não se pode ver; ou seja, é tanto a certeza do mais incerto, como uma certeza que se sustenta sob condições incertas.
- O paradoxo da cruz e da ressurreição, da complementaridade entre a sexta da paixão e do domingo da alegria pelo renascimento.
- O paradoxo do poder. Sobre esse paradoxo gostaria de falar mais distintamente hoje. Para tanto, convido-os a se debruçarem brevemente sobre o texto de Marcos 10.35-45, em que Jesus explicita aos discípulos o que é esse paradoxo. [Duas perguntas…]
Vocês podem beber do cálice que eu vou beber? (vv. 35-40)
– A essa altura, final do ministério de Jesus, a caminho de Jerusalém, os discípulos haviam andado um bocado com o mestre. Já podiam ter alguma noção de como Jesus havia tratado inúmeras questões, éticas, culturais políticas ou religiosas.
– E mais: enquanto seguiam até Jerusalém, um pouco confusos e amedrontados, Jesus os preveniu do que haveria de acontecer com ele, do caminho da cruz (vv. 32-34).
– Mesmo com esse histórico, Jesus foi surpreendido pelo pedido de Tiago e João (v. 37), para que lhes concedesse os lugares de maior honra em sua glória.
– Para alguns comentaristas, esse pedido revela uma ambição política e messiânica, e prova que os discípulos ainda estavam “surdos” em relação às predições – e também, eu diria, às predileções de Jesus, por andar à margem dos sistemas e instituições.
– A resposta de Jesus é central aqui: vocês não têm ideia do que estão me pedindo. Poderão vocês beber do cálice que eu vou beber?
– O “cálice” naquele tempo era representação de várias coisas. Uma delas era a de celebração, alegria, vitória. Cegos pelo anseio de poder, essa na verdade não era uma questão aos discípulos, e sim: quem, por insano que seja, não beberia?
– O “cálice” aqui, porém, é a antecipação do drama da cruz, do sofrimento, do discipulado, da última ceia e do Getsêmani. É o mesmo cálice que Jesus ergueu dizendo: “Tomai e bebei: esse é o cálice do meu sangue, símbolo da nova aliança derramado em favor de vós” (Lc 22.20). É também o cálice que, em agonia no Getsêmani, Jesus pediria ao Pai para que afastasse dele – desejando, porém, que a vontade do Pai fosse cumprida.
– E é também o cálice da vida humana e do discipulado: uma fusão de regozijo e dor, de choro e riso, de vitórias e derrotas, de ganhos e perdas. O cálice é também paradoxo. E o discípulo precisa ter plena consciência do conteúdo ao efusivamente dizer: “beberei!”.
– No livro que leva esse nome, Podeis beber do cálice?, Henri Nouwen afirma:
O cálice da vida é o cálice da alegria tanto quanto é o cálice da tristeza. É cálice no qual tristezas e alegrias, dor e felicidade, luto e dança nunca se separam. Se as alegrias não pudessem estar onde as tristezas estão, o cálice da vida jamais poderia ser bebido. É por isso que temos de segurar o cálice em nossas mãos e olhar atentamente para ver as alegrias escondidas em nossas tristezas (p. 42).
Quem será maioral no Reino de Deus?
– A prosa difícil com os discípulos prossegue quando os outros 10, tendo ouvindo a conversa, demonstram-se indignados com tudo aquilo. Teria sido pelas razões certas?
– Então Jesus, pacientemente, passa a ensinar-lhes mais algumas coisas.
- Sobre como as coisas são no mundo (que se estende até hoje). Aqui o poder sobe facilmente à cabeça. Quando alguém ocupa um cargo de liderança qualquer, pelas sutilezas de sua própria humanidade, tende a se tornar dominador, às vezes um tirano.
– Diferente do que se diz por aí, não acredito que o “poder corrompe”. “Fulano era gente boa, até se tornar deputado”; “aquele pastor era muito humilde (deixava até a gente questionar suas ideias depois da pregação), até se tornar presidente da denominação”.
– A razão disso tudo é o poder? Não! É simples demais. A razão reside na profundidade do coração humano, em sua natureza, em seu universo de desejos. Ali nasce a corrupção. Aliás, potencialmente, todos somos corruptos, até que se prove o contrário. O poder apenas aguça a corrupção, mas não a produz.
- Sobre como as coisas foram com o próprio Jesus. 00O próprio filho do homem é aquele que veio para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (v. 45). Essa é uma informação de tremenda importância para entender quem Jesus é, a natureza do discipulado, mas que, no fundo, ainda era muito difícil dos discípulos entenderem, pois eles queriam o messias glorioso, ao lado de quem eles poderiam se sentar nas alturas.
– A boa nova de Jesus aqui – como também de Paulo quando fala da kenosis (esvaziamento), em Fp 2.1-5 – porém, é a de uma Deus que se fragilizou por amor, arregaçou as mangas e entrou em nossa história, não na forma de um revolucionário político, na de um grande latifundiário, ou de um governador poderoso, mas encarnou a figura inglória do profeta e assumiu a forma de servo.
- Sobre como as coisas são no reino que está vindo. O mesmo vale para aqueles discípulos e para os demais que vieram após eles até hoje: entre vocês, ele diz, o maioral ou o mais importante será aquele que serve, não perante esse mundo, é claro, mas no reino de amor do Pai, um reino de inversão, de paradoxos, de loucura sã.
– Esse é o paradoxo do poder ou da grandeza na servidão: Jesus não quer que evitemos o poder, mas que usemos o poder para e no serviço. É andar na contramão dos poderes desse mundo a fim de reabilitar o poder que se aperfeiçoa na fragilização daquele que serve, sem que a mão esquerda precise saber o que a direita fez.
Conclusão
– Como semeadores da boa nova do reino no mundo de hoje, somos chamados a assumir jubilosamente esse paradoxo. Graças ao dom do Espírito Santo, vencemos a corrupção que habita no coração de cada um de nós todas as vezes que recusamos a ambição dos primeiros lugares, dos lugares de honra.
– Uma maneira leve e bem-humorada que encontrei de fazer isso é rindo de mim mesmo, é sarcasticamente apontando meu narcisismo, e é desdenhando todas as vezes que querem encher minha bola mais do que deveriam, conferindo-me status, poder e fama. Por uma razão simples: tudo isso é efêmero e pequeno demais perto da graça de servir ao reino.
– É muito gratificante o reconhecimento por aquilo que a gente faz, pelos frutos de nosso trabalho. Mas a sensação que tenho é que as coisas importantes que faço são aquelas que menos repercussão pública têm, as pequenas ações e gestos de amor e serviço ao próximo que a gente faz quando ninguém está olhando.
– No fim das contas, a pergunta e o desafio de Jesus que todos os dias devem ecoar em meu coração, é: Pode você, Jonathan (citar outros), beber do cálice que eu bebi? Se, reflexiva e responsavelmente eu e você pudermos dizer “sim”, então poderemos abraçar o caminho do discipulado com inteireza e semear será tão natural quanto respirar…
Que a Graça do Senhor nos encoraje e capacite para isso! Amém.
Autor: Jonathan Menezes
Visite: http://www.ejesus.com.br