Breves comentários sobre o livro de Gondim: Missão Integral

Vou fazer uns breves e poucos comentários sobre o livro Missão Integral: Em busca de uma identidade evangélica, de Ricardo Gondim (Fonte Editorial, 2010). Esse livro é fruto do mestrado realizado no Programa de Pós-Graduação da Universidade Metodista debaixo da orientação de Jung Mo Sung. Uma critica de cunho mais acadêmico foi feita pelo meu amigo Jonathan Menezes e pode ser lida em: novosdialogos.com/artigo.asp?id=171

A primeira coisa que chama a atenção é que não existe crédito para a foto que ilustra a capa. Pesquisando no Google descobre-se a pintura que tem como título “O bom samaritano” (1890) de Vincent Van Gogh. Isso deveria ter sido mencionado em algum lugar do livro.

Na Tabela de Siglas tem um erro que precisa ser corrigido: CLAI não é Concílio Latino-Americano de Igrejas, mas sim Conselho. Concílio e Conselho são coisas diferentes, naturalmente. Algumas grafias estão incorretas. Menciono algumas: No Sumário Jung Mo Sung é chamado de Jungo. Das inúmeras vezes em que foi citado, por duas vezes Robinson Cavalcanti é chamado de Robson. Outro nome que é citado (sete vezes) errado, e, diga-se de passagem, muita gente faz isso, é o de Donald A. McGavran, que é chamado de McGravan. Moltmann for chamado de Moltman. Pelo menos uma vez o Longuini chamado de Linguini. Russell de Russel. Na página 129 o nome de McKaughan foi grafado de duas maneiras diferentes.
No rodapé número 30 tem uma grafia errada: Missãolintegral. No rodapé dois, começa assim: “A revista Instituto Moody de janeiro de 1921, um dos principais seminários… traz um artigo…”. O certo seria como está no rodapé 6: “A revista Moddy Bible Institute Monthly”.

Todas essas coisas são de somenos importância, podem e devem ser corrigidas numa próxima edição. Tem outras coisas que careceriam do autor um pouco mais de cuidado, pois são erros históricos e também de atenção. Ilustro:

Gondim afirma que o Movimento de Crescimento de Igreja foi defendido por McGavran quando na verdade ele foi criado por McGavran. Afirma que McGavran foi o fundador do Seminário Teológico Fuller. Na verdade o Fuller foi fundado em 1947 por Charles E. Fuller (a origem do nome da escola). McGavran juntou-se ao Fuller mais tarde. Ele foi o fundador da School of World Mission em 1965.
Ainda em relação a McGavran o autor afirma que o mesmo cunhou o termo Homogeneous Unit (HU). Gondim traduz esse termo para Comunidades Homogêneas o que é erro tremendo, pois desvirtua do sentido original é que Unidades Homogêneas. Gondim entendeu que uma Unidade Homogênea: “…consistia em organizar igrejas com pessoas da mesma classe social, para que não houvesse necessidade de se transpor barreiras e preconceitos, e assim alcançar o maior número de pessoas com a mensagem cristã. Quando se forma uma igreja com pessoas mais pobres, os ricos precisam fazer um esforço enorme para compreender a cultura, a cosmovisão do grupo”.
Esse entendimento do Gondim não condiz com idéia de McGavran. Gondim está pensando em comunidade e McGavran em unidade. McGavran nunca disse que o ideal de uma igreja é que ela seja formada somente por pessoas iguais. A pergunta que norteava McGavran era: “como os povos se tornam cristãos?”. A resposta que ele mesmo deu foi: “pessoas gostam de tornarem-se cristãs sem cruzar barreiras raciais, lingüísticas ou de classes”. Temos que entender que o contexto de McGavran era a Índia dos anos 50 onde ele cresceu e desenvolveu seu ministério no meio das castas e de agências missionárias ineficazes.
Agora sendo honestos, não é isso uma verdade? Um chinês não prefere ouvir o evangelho em Mandarim e juntar-se a uma igreja que fala sua língua? Um jovem universitário freqüenta a reunião de analfabetos na favela da cidade grande? Uma moça pobre faz parte da célula bíblica que se reúne no Morumbi? Essas coisas são exceções. Não é verdade que todas as nossas igrejas funcionam dentro do modelo eclesiola in Eclesia semelhantes àquele desenvolvido por João Wesley? O ponto de McGavran é que as pessoas gostam de freqüentar reuniões de pessoas do seu nível. E isso é exatamente o que temos visto em nosso mundo de igrejas. Isso não significa excluir ou tornar-se racista.
Agora, esse princípio de McGavran tem problemas? Naturalmente que sim, eu mesmo quando, estudante dessa escola em 1990, fiz uma critica severa ao HU (Unity and Diversity in the Family of God em http://www.ediaspora.net/ACB_article3.html). O que eu estranho é que o Gondim faz críticas ao McGavran sem ler a obra do mesmo. Foi uma crítica de segunda mão, pois na bibliografia não consta nenhuma obra de McGavran e a obra desse autor é vastíssima. Para entender melhor suas idéias é necessário ler seu famoso livro The Bridges of God e depois então seu livro mais famoso Compreendendo o Crescimento da Igreja (Editora Sepal).

O autor também é bastante confuso quando conceitua quem é fundamentalista. Tomo apenas como ilustração o Seminário Fuller. O autor diz que muitas igrejas fundamentalistas continuam se alimentando “dos ensinos do Instituto Moody, do Fuller Theological Seminary…”. Ou seja, ele coloca o Fuller e o Moody juntos. Seria o mesmo que no Brasil você colocar a EST e o Betel juntos somente porque são seminários evangélicos. Eu acho que o Gondim confunde a Escola de Missões do Fuller com a escola de teologia do Fuller. A Escola de Missões é bem conservadora em relação à Escola de Teologia. Alias a teologia do Fuller sempre foi considerada liberal pelos conservadores. O próprio Gondim, mais tarde em seu livro, vai dizer que professores do Fuller criticavam o fundamentalismo.
O erro do Gondim é bastante comum entre os latino-americanos, isto é, confundir o Fuller (que tem três escolas: teologia, psicologia e missões) com McGavran e Peter Wagner. Faltou do autor aprofundamento nessa questão. Na sua dissertação ele cita um dos livros do historiador americano George M. Marsden, todavia, quando tratando do tema fundamentalismo no Fuller, Gondim deveria ter visto o outro livro de Marsden (Reforming Fundamentalism: Fuller Seminary and the New Evangelicalism), onde no prefácio a edição capa mole afirma: “… Fuler Seminay começou como fundamentalista, mas tem descido dessa montanha desde então”. Se esse tema é importante para Gondim, ele deve ler sobre o debate que se seguiu à publicação do livro de Marsden.
Em outro lugar Gondim está certo em afirmar que a Presbyterian Church in America é uma igreja fundamentalista, mas erra ao concluir que por ser fundamentalista ela está diminuindo. A PCA como é conhecida, é talvez uma das únicas igrejas de linha reformada que está crescendo nos Estados Unidos.

Mas, nada das coisas mencionadas acima tem tanta importância quanto ao que eu creio ser uma representação incorreta do movimento evangelical norte-americano. Para ilustrar que evangelismo tem mais importância do que ação social ele vai usar um autor, Christopher Little, que escreveu um artigo intitulado “What Makes Mission Christian?” (alias esse What também está grafado incorreto no livro).
O problema em deduzir largamente somente desse autor, é que o mesmo não representa de forma alguma o cenário evangélico ou evangelical norte-americano. A revista onde o artigo foi publicado não tem a menor importância nos Estados Unidos. Sua publicação não é acadêmica e quase nunca usada em teses de mestrado ou doutorado. Gondim deveria ter lido, por exemplo, Jim Wallis e os artigos da Revista Sojourners (http://www.sojo.net) para perceber que há nos Estados Unidos uma grande turma de teólogos que não pensa como Little. Gente como: Tony Compolo, Ron Sider, Howard Snyder, Charles Van Engen e muitos outros.

Finalmente, para não ser muito longo, diria que o autor precisa resolver seu problema com os reformados e com o tema da soberania de Deus. Pelo menos em duas oportunidades ele menciona o tema sempre de forma amarga e o tema não é nem o assunto do livro. Em algum lugar afirma: “Outra dimensão que requer aprofundamento tem a ver com a teologia sistemática evangélica que repete a doutrina calvinista da providência divina quando afirma um teísmo quase fatalista”. Anteriormente, quando analisa os preletores do CBEII critica Ronaldo Lidório (presbiteriano) por afirmar a soberania de Deus. Essa birra do autor desmente o que ele havia prometido ao conceber seu trabalho: fazer análises isentas e absolutamente objetivas. Alias uma impossibilidade, pois todos sabem que a nossa cosmovisão nos torna etnocêntricos. A propósito, no anexo do livro, Kivitz me parece fazer uma afirmação bem calvinista sobre a total soberania de Deus: “A Missão Integral implica na ação para que Cristo seja Senhor sobre tudo, todos, em todas as dimensões da existência humano”.

O livro do Gondim é importante, não deixa de ser. É mais uma tentativa de trazer o tema da Missão Integral para o lugar principal do palco onde se desenvolve esse movimento evangélico brasileiro. Penso, todavia, que existe nesse movimento e também na dissertação, um equívoco em confundir a teologia da Missão Integral com a Missão Integral propriamente dita. Esse equívoco é visto nas próprias palavras de seu orientador, Jung Mo Sung quando diz: “… E essas duas correntes [Teologia da Missão Integral e a Teologia da Libertação] compartilham hoje a situação de enfraquecimento, tanto no campo teológico quanto no eclesial”. Concordo, em parte, com essa afirmação. Se existe um enfraquecimento ou uma crise, isso se dá nos meios acadêmicos e quem sabe nas igrejas ricas das cidades grandes onde os pastores defendem o tema, mas não conseguem colocar as coisas na prática e entram em crise. Na periferia desse mundo acadêmico e das igrejas ricas, a Missão Integral está acontecendo e muito. São milhares de pequenas comunidades ministrando o amor e bondade de Deus. É encantador ver pastores sem nenhuma projeção tornando o evangelho de Jesus concreto no dia a dia de suas comunidades. Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir vão descobrir esse tesouro maravilhoso.

Ironicamente Gondim termina seu livro com uma frase bem fundamentalista: … que a Missão Integral leve todo o evangelho a todos os homens e mulheres em todas as realidades, até que venha o Reino”. Alias, essa era a mesma tese do panta ta etne de McGavran.

Antonio Carlos Barro

Se alguém se interessar podem encontrar o livro neste link.

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