Seguir a Jesus

Esta passagem do evangelho de Lucas, é muito conhecida. Trata-se do principal acontecimento de toda a Bíblia, a crucificação de Jesus.
Claro que não é possível, nos breves momentos de que dispomos, o desenvolvimento de toda esta passagem…. mas há um aspecto que gostaria de destacar. Uma palavra que aparece várias vezes e que me chamou a atenção nesta descrição. A palavra seguir, é uma palavra muito utilizada nos evangelhos. O próprio Jesus convidou muitos a segui-lo… nós também tentamos seguir a Jesus…
Numa época em que as igrejas estão em crise e em que muitos outros assuntos são abordados nos nossos púlpitos, talvez seja necessário parar por uns instantes para perguntar: Afinal, o que é seguir a Jesus ? Qual o centro da sua mensagem ?
Vejamos em que é que esta passagem nos poderá ajudar.

Logo no início da passagem lida, no vr. 26, Simão o cireneu pegou na cruz para seguir atrás dele, como vem na Boa Nova.
O vr. 27, segundo a tradução de Ferreira de Almeida, afirma que seguia-o uma grande multidão.
Também os dois criminosos foram obrigados a seguir a Jesus, embora a palavra seguir não apareça aqui.

Isto suscita-nos várias perguntas:
(1) O que significa a expressão seguiam a Jesus ?
(2) O que entendemos nós, por seguir a Jesus ?
(3) Qual o apoio, qual a aceitação que Jesus dá à nossa atitude, à forma como o seguimos ?
(4) Qual a atitude que Jesus aceitou ?
(5) O que representou para Jesus o pedido do criminoso ?

Vejamos em primeiro lugar, o que significa aqui a afirmação de que seguiam a Jesus:
Este versículo 26 é muito conhecido nas igrejas evangélicas em África pelo facto deste Simão ser natural de Cirene, que era uma colónia grega no Norte de África. Dizem os nossos irmãos africanos, que numa altura em que Jesus foi rejeitado pelos judeus que são asiáticos e foi crucificado pelos romanos que são europeus, aparece um dos poucos africanos mencionados na Bíblia para o ajudar a carregar a sua cruz.
Não sei até que ponto, os nossos irmãos africanos têm razões para se orgulharem em Simão cireneu, pois ele não compareceu voluntariamente, mas foi requisitado pelos soldados romanos que o obrigaram a levar a cruz de Cristo.
Poderá tal atitude ter certas semelhanças com o que se passa nos nossos dias. Jovens que vão à Igreja somente para acompanhar os seus pais, ou o marido que vai somente para acompanhar a esposa que é muito entusiasta pela Igreja, ou a esposa que se limita a acompanhar o marido que está muito ligado à Igreja…

Temos depois o caso da multidão que seguia a Jesus, onde havia muitas mulheres….. mulheres de Jerusalém, facto que nesse contexto cultural tem um significado especial que nos pode passar despercebido, pois não era hábito as mulheres de Jerusalém andarem na rua.
Enquanto as mulheres das zonas rurais, trabalhavam no campo ao lado dos seus familiares, as mulheres de Jerusalém, principalmente das famílias mais religiosas, não participavam da vida pública e passavam quase toda a sua vida nos seus aposentos próprios, dedicando-se a trabalhos considerados trabalhos de mulher. Só em ocasiões muito especiais é que saíam à rua.
Segundo nos conta o historiador judeu, Joaquim Jeremias, quando Ptolomeu IV do Egipto conquistou Jerusalém e tencionava entrar no lugar santo dos santos, no ano 217 A.C. as jovens, confinadas em seus aposentos precipitaram-se para fora com suas mães, cobriram a cabeça com cinza e pó e encheram as ruas de Jerusalém de lamentações.
No contexto cultural em que Lucas escreveu o seu evangelho, talvez seja esta a ideia que ele tentou transmitir ao dizer que alg umas mulheres choravam e se lamentavam… Mulheres a quem Jesus tratou por mulheres de Jerusalém.
Embora não sejam mencionados, é muito provável que o apóstolo João e Maria, mãe de Jesus, também estivessem incluídos nesta multidão, pois mais adiante eles aparecem junto à cruz….. assim como provavelmente outros apóstolos que fugiram, nessa altura já se teriam juntado a esta multidão.
Todos eles seguiam voluntariamente, por sua própria iniciativa, identificavam-se com Jesus e Lucas até afirma que algumas mulheres choravam e se lamentavam por causa dele. Será esta a forma correcta de seguir a Jesus ? Será este o tipo de seguidores que Jesus procurava ?
Nos versículos seguintes, Jesus…. embora mostrando compreensão, parece não dar muito apoio a tal atitude ao dizer: Mulheres de Jerusalém, não chorem por mim, chorem antes por vocês e pelos vossos filhos.
Temos também o caso dos dois criminosos, que evidentemente não estavam lá por sua própria iniciativa, e muito menos por sua livre vontade.

Mas vejamos em segundo lugar, o que entendemos nós por seguir a Jesus ?
Normalmente, utilizamos esta expressão, seguir a Jesus, num contexto teológico que dificilmente conseguimos dissociar do ambiente da Igreja e do salão de cultos, onde se passa tudo aquilo que pela nossa tradição são considerados os grandes momentos da nossa vivência espiritual. O dia em que fomos batizados, o dia em que fomos escolhidos para algum cargo do depar tamento dos jovens, o dia em que fomos eleitos diáconos, ou conselheiros, ou ordenados como pastores, ou o dia em que fomos nomeados como Reitor do Seminário ou como Presidente da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal.
Não há dúvidas de que estes são momentos importantes do nosso caminhar na vida espiritual, da nossa tentativa de seguir a Jesus, mas….. há outros momentos que por vezes nos passam despercebidos:
Quando um crente, pela primeira vez, na roda dos seus amigos ou companheiros de trabalho, ou à mesa do café se identifica como crente evangélico, discípulo de Jesus em ambiente secular, fora do ambiente protegido e religiosamente climatizado do salão de cultos, não será isso também seguir a Jesus ?
Quando um pastor sozinho se mete à estrada para tentar ser um pastor itinerante, para tentar abrir novos pontos de pregação….. não será isso também seguir a Jesus ? Não serão esses também momentos altos da nossa vida espiritual que passam despercebidos à Igreja mas não ao Senhor da Igreja ?
Será que o Senhor tem um critério bem diferente do nosso para aquilo que consideramos os momentos altos do nosso caminhar com Jesus ?

Mas vejamos em terceiro lugar, qual o apoio, qual a aceitação ou incentivo que Jesus deu àqueles que nesta descrição o seguiam.

Quanto a Simão o Cireneu, escassas são as informações. Marcos diz que ele era pai de Alexandre e de Rufo (Marc.15:21). Não sabemos quem eram estes dois, mas deviam ser pessoas bem conhecidas de Marcos e possivelmente crentes, mas penso que nã o temos base bíblica para certa tradição que afirma que Simão o cireneu se converteu. Se ele se tivesse convertido nesta altura, certamente que Lucas o teria mencionado.

Quanto à multidão de simpatizantes que seguia a Jesus…., parece-nos à primeira vista que tal facto lhe poderia dar certo conforto, por se sentir apoiado por tal atitude. As palavras de Jesus, às mulheres que choravam por ele, são de grande importância para todos nós. …. não chorem por mim, chorem antes por vocês e pelos vossos filhos…
Como interpretar esta atitude do Mestre, de compreensão mas também de delicada rejeição da atitude daqueles que o seguiam nessa altura movidos por simpatia e dedicação ? ……..
Penso que o cordeiro de Deus, prestes a ser imolado, deseja arrependimento e não somente simpatia.
Qualquer pregador dos nossos dias, que conseguisse falar de Jesus de tal maneira que a multidão se identificasse com Cristo, e que até chorasse pelo facto de Jesus ter sido crucificado, seria tentado a pensar que tinha sido eficiente na divulgação do evangelho…. Mas só isso não é o genuíno evangelho.
Embora a nossa identificação com o Mestre seja importante, embora o amor fraternal seja importante, assim como uma vida de santidade, o ponto central do evangelho é a aceitação da nossa condição de pecador perdido que necessita de salvação. Jesus não deixou a multidão de simpatizantes com a ilusão de que teriam algum mérito pelo facto de o terem acompanhado e simpatizado com ele.
Numa sociedade secularizada como a nossa, é m ais fácil encontrar quem queira simpatizar com Jesus uma vez por semana, aos domingos da 10 ao meio dia, do que encontrar quem tenha consciência da sua condição de pecador dependente da salvação de Jesus.

Também podíamos perguntar: Porque é que por vezes a nossa teologia falha, quando mais necessitamos dela ?
O que se passou com esta multidão que seguia o Mestre, incluindo os apóstolos, talvez nos ajude a compreender o problema.
Jesus afirmou segundo Mat. 22:17 …. Ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento….
Penso que foi isso que faltou à multidão dos discípulos, assim como por vezes falta ao cristianismo dos nossos dias.
Vejo aqui dois aspectos que muitas vezes costumam andar dissociados.
Nos nossos dias noto uma tendência em separar estes dois aspectos:
Ou se dá uma grande ênfase à emoção, negligenciando a preparação intelectual e doutrinária, e então, parece que a nossa fé desaparece quando o culto termina, ou se dá importância à preparação doutrinária, esquecendo o aspecto emocional, e os cultos transformam-se numa conferência sobre Deus.
Sem que seja mobilizado todo o nosso entusiasmo, toda a nossa emoção, mas também sem o nosso intelecto ao serviço do Senhor, não é possível pregar eficientemente o Evangelho.
Sem ideias claras e convicções firmes do que somos e do que é o Evangelho, não podemos esperar o crescimento da Igreja.

Mas vejamos a outra questão que coloquei. Qual a atitude que Jesus aceitou ?

É esta talvez a parte mais importante que lhes queria comunicar.
Já falámos em Simão o cireneu, e já falámos na multidão que seguia a Jesus, mas ainda não falamos dos criminosos que foram crucificados com Jesus.
Somente Lucas nos fala do criminoso que se converteu. Mateus limita-se a dizer que até os ladrões que foram crucificados com ele o insultavam.
Parece que inicialmente ambos o insultavam…. mas será que podemos esperar atitude diferente de quem se encontra nessa situação ?

Quais seriam os pensamentos do criminoso nesse momento?
Enquanto ele aguardava, pregado na cruz, o momento da sua morte, ele bem sabia que recebia o castigo dos seus crimes, mas nesse momento, a avaliar pela descrição de Mateus, só devia sentir ódio.
Odiava os seus carrascos e juizes que o condenaram, odiava os sacerdotes, escribas e fariseus que se ajuntavam à sua volta para escarnecer. Odiava até o próprio Deus de que lhe tinham falado, esse deus, que a avaliar pelos seus representantes, seria certamente um deus cruel e vingativo que contemplava talvez com um sorriso de satisfação e cinismo, os últimos momentos dum condenado à cruz.
Mesmo que eles não fossem os verdadeiros representante de Deus, e se Deus existisse, deveria estar demasiado longe e ser demasiado grande para se preocupar com o homem.
E se por acaso Deus o observasse nesse momento, estaria ele em condições de o compreender ?
Aquele que nunca fora tentado, e que nunca sentira a fome nem a sede, que nunca conhecera a dor nem o ódio, seria capaz de sentir compaixão por tão desprezível pecador ?
Mais poderoso do que os seus representantes, Deus teria certamente poder para destruir, poder para matar, mas não para penetrar no coração dum pecador…
A certa altura, ouvindo as acusações do seu companheiro, lança um olhar naquele que se dizia Filho de Deus…. e ficou preso pelo olhar de Jesus.
Nesse momento, em que ele procurava dar largas ao seu desprezo pela humanidade e pelo seu Deus, lançar a sua última maldição antes de morrer, recebe o único olhar de verdadeiro amor de toda a sua vida…..
Nesse momento o criminoso tem a sua oportunidade de aceitar a salvação.
O Deus vivo revela-se na sua verdadeira essência.
Esse Deus, que ele supunha estar olhando indiferente do alto dos céus, estava a seu lado, sofrendo o mesmo tormento que ele sofria, crucificado pelos seus próprios representantes.
Jesus, lembra-te de mim quando chegares ao teu reino…

Mas vejamos para concluir, a última questão que lhes coloquei: O que representou para Jesus, o pedido do criminoso ?

Verificamos que até ao último momento, Cristo mantém o seu zelo pela salvação do pecador.
Grandes eram os sofrimentos do Senhor nessa altura.
A juntar aos seus sofrimentos físicos, havia a vergonha duma morte na cruz, a vergonha d e ver disperso todo o seu rebanho e de se ver negado e desamparado por aqueles a quem tudo dera.
Nesse momento, Satanás podia orgulhar-se e até podia perguntar:
Veio salvar o homem, mas quem o compreendeu ?
Para que serviu teres vindo a este mundo ? Quem viu em ti o Cordeiro de Deus ?
Escuta o que dizem os homens :
Aos outros salvou; a si mesmo não pode salvar.
Que Deus o livre, se é o Filho de Deus.
Podia ser o libertador de Israel, mas César o derrotou.
Era tão bom homem… mas mataram-no.
Ele curou-nos a todos. Era o nosso médico, mas já não podemos contar com ele.
Tínhamos ambiente tão espiritual. Havia tanta união entre nós.
Ele nos alimentou no deserto. Que pena que não tenha conseguido ser rei de Israel ?……….

De todos os sofrimentos do Mestre, era certamente este um dos maiores:
Quem compreendia o que se passava ?
Quem via em Cristo o Cordeiro de Deus ?
Onde estavam aqueles que ensinara durante três anos ?
Onde estava Pedro ? ….Onde estava Mateus ?….
Onde estavam os filhos de Zebedeu, Tiago e João, que um dia pediram ao Mestre para ficarem um à sua direita e outro à esquerda, quando estivesse na sua glória ?
De todos estes, somente João conseguira passar despercebido por entre as mulheres que se aproximaram da cruz.
Tinha chegado a hora de Deus cumprir a sua promes sa ao homem.
Tinha chegado o vértice dos tempos, o centro da eternidade.

A Igreja, ainda em gestação, começa com um fracasso.
Os apóstolos e seguidores de Jesus contemplam a morte do seu Mestre, sem compreenderem ainda o seu significado.
Eles se sentiam desamparados, amedrontados, ridículos e inúteis.
Eram como crianças a quem se tivesse arrancado e destruído o seu único brinquedo.
Eram mártires sem fé… eram entusiastas sem convicção…. Eram cristãos…. sem Cristo.

Segundo o evangelho de Mateus, no último momento, estava reservado o maior sofrimento, quando Jesus exclama: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste ?
Será que Deus o abandonou ?…….
Penso que no momento em que Deus o Pai desviou o seu olhar da cruz, permitiu que Cristo tivesse um motivo de alegria… Sim, vou repetir a afirmação: No momento em que Deus o Pai desviou o seu olhar de cruz, permitiu que Cristo tivesse um motivo de alegria….
Não foram, como poderíamos imaginar, os anjos que o foram consolar.
Também não foi nenhuma reacção da parte dos cristãos.
A consolação que Deus Pai lhe concedeu foi mais do que tudo isso. Foi uma consolação digna do Deus omnipotente e que só Deus o Pai lhe poderia conceder.
Jesus, lembra-te de mim, quando chegares ao teu Reino.
Muitos se tinham dirigido a Jesus durante a sua vida. Uns para pedir saúde para os seus corpos e quando a conseguiam se afastavam, julgando ter recebido tudo.
Outros lhe pediam sabedoria e outros ainda, que lhes ensinasse algum ritual que lhes garantisse a vida eterna.
Nesse momento, o criminoso não lhe pedia que aliviasse as suas dores, nem lhe pedia que o salvasse do castigo que recebia.
Não lhe pedia por nada deste mundo que estava prestes a deixar.
Não lhe pedia que lhe ensinasse a maneira de ganhar a vida eterna, porque não a poderia pôr em prática, mas sim que se lembrasse dele, confiando somente no seu poder para o levar para o seu reino.

A partir desse instante, Cristo deixara de ser o Cristo derrotado para ser o vencedor.
A partir do momento em que o criminoso formulou o seu pedido, Cristo já não estava só.
Já podia voltar para o Pai e dar-lhe graças pela sua vinda a este mundo e por todos os seus sofrimentos, porque já não tinha sido em vão toda a sua obra.

….. quando chegares ao teu Reino.
Como sabia ele que Jesus tinha um Reino ?
Aquilo que os maiores teólogos dessa época não descobriram é proclamado pelo criminoso.
Como poderia ele descobrir, se Deus o Pai o não revelasse ?
Graças a Deus, que ainda hoje, há coisas que não vêm nos livros, que os alunos e professores do nosso Seminário não sabem, mas que o Senhor entende revelar a alguma irmã Maria ou alguma irmã Ana do Bebedouro….. Porque Deus é soberano… Revela-se a quem en tender…. quando entender e da forma que entender…. Porque Deus é o soberano.

Podes ter a certeza que hoje mesmo estarás comigo no Paraíso.
Simples frase que vem revogar toda a velha teologia, arrasar e tornar obsoletos todos os rituais.
O pedido fora aceite por aquele que abre e ninguém pode fechar, aquele que fecha e ninguém pode abrir. (Apoc.3:7)
O Mestre não deixaria de se lembrar do pedido daquele que nele confiara quando todos o abandonaram.

O poder e a graça de Deus estão disponíveis para a salvação de todo o pecador.
Seguir a Jesus é em primeiro lugar, aceitar a nossa condição de pecador perdido confiar somente em Jesus.
É aceitá-lo como nosso substituto na morte que está destinada a todo o ser humano.
É confiar no seu poder para nos conceder a vida eterna, que começa já neste mundo.
Vida eterna, não só no aspecto da duração e continuidade, mas também quanto à qualidade de vida.
Ele nos oferece uma vida plena, com um ideal, com um objectivo, a proclamação da sua mensagem de salvação a toda a humanidade.

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