Tony e Emma

Nunca vou esquecer de como conheci Tony. Era um lindo fim de tarde e eu estava sentada em um banquinho de praça pintado de azul. Lembro-me de minha mãe lendo Charles Dickens e de ansiar por alguém com que eu pudesse brincar. Foi então que senti uma mão puxar minha longa trança negra. Virei-me furiosa mas meu coraçãozinho infantil se derreteu com o garoto à minha frente. Era loiro, de olhos muito verdes e uma expressão meiga que eu levaria para sempre.Apesar do olhar feio da minha mãe, logo estávamos correndo por toda parte. Ele não era uma criança birrenta e aceitava qualquer brincadeira que eu propusesse. No fim das brincadeiras, eu era uma criança risonha e satisfeita consigo mesma. Ele aproximou- se novamente com um sorriso tímido, mas um olhar muito sapeca.


– Meu nome é Tony, e o seu?


– Eu me chamo Emma.


Tony pareceu mais envergonhado.


– Você volta amanhã?- ele parecia suplicante-Volta, Emma?


– Volto.Eu prometo.


E por incrível que pareça, eu voltei .E voltei no outro dia. E no outro. E assim viramos grandes amigos. À medida que nossos pais se acostumavam com nossa amizade, íamos ao cinema, tomávamos sorvete e inventávamos brincadeiras e mundos encantados para governar. Era perfeito. Ele era o rei e eu, a sua esposa.com o tempo, descobrimos semelhanças e diferenças entre nós e nos divertíamos com isso. Eu lia tudo que via pela frente. Ele era um menino de imaginação fértil, mas que não tinha hábitos muito cultos.Eu queria ser escritora. Ele, jogador de futebol. Tony era um ano mais velho do que eu e passamos a freqüentar a mesma escola quando ele tinha 12 anos.Não era muita coisa, mas para ele já era idade suficiente para me proteger. E eu sentia uma doce felicidade por isso. Desafiava os mais velhos a mexerem comigo, tentando exibir meu super-herói. E eles mexeram. Só que Tony não levou a melhor. Ele ficou cheio de hematomas, e sua mãe horrorizada. Lembro-me porém, de olhar nos olhos do meu amigo e encontrar uma cumplicidade oculta, toquei-o gentilmente e sussurrei:


– Serei sua amiga para sempre, Tony. Nunca o deixarei.


E assim o tempo passou até que entrássemos definitivamente na adolescência.Tony estava comigo em todos os momentos: ajudando-me na lição, assistindo filmes de terror, ouvindo os meus CDs e contando um monte de piadas que me faziam rir como eu não ria com ninguém. Nossas diferenças, porém, se acentuavam cada vez mais.Eu era tímida, gostava de ler e estudar. Mantinha algumas amigas, mas só me abria com Tony. Este, ao contrário, ficava mais alto, mais forte e mais bonito com o passar do tempo. Logo, estava cheio de amigos, sendo convidado para todas as festas, chamando a atenção de todas as garotas. Eu sentia medo de perdê-lo para aquele outro mundo e tinha minhas razões. Com o tempo, ele deixou nossos programas, nossas conversas, nossa cumplicidade para ir a mais uma de suas festinhas, exibir a sua mais nova namorada. Não interessava mais se a sua ausência me magoava. Ele tinha todos a sua volta, e isso compensava qualquer perda.


Eu tentava parecer indiferente, mas acabava chorando por meu doce Tony que de certa forma, havia perdido. Em um dia frio de inverno, saí apressada da biblioteca e fui empurrada por um grupo de rapazes que se divertiam ao me ver caída.Um deles fazia imitações grotescas do meu tombo, do meu jeito de andar e das coisas que sempre fazia.


Levantei-me com lágrimas nos olhos e vi Tony no meio do grupo. Não ria nem me encarava. Apenas olhava para o chão.Um de seus amigos fez um gesto, e se afastou com todos os companheiros.Menos Tony. Ele abaixou-se e pegou meus livros.


– Lamento, Emma. – disse ele com o rosto muito corado- Não queria que isso acontecesse.


Mas naquele momento, tudo que eu conseguia sentir era uma raiva imensa.


– Mentira.Durante todo esse tempo, você sequer parou para ter uma vontade.Estava muito ocupado fazendo exatamente o que todos esperam que um jovem atlético faça.Bebendo e contando piadas asquerosas sobre todos. Tony olhou-me friamente.


– Me desculpe, mas pessoas como você realmente é uma piada.


Aquela era última vez que eu tentara falar com ele como quem fala com um verdadeiro amigo.


Durante muito tempo sequer nos falamos e aos poucos, eu começava minha vida.Entrei na faculdade que desejava e saí da cidade.Tinha novos companheiros, e era considerada por todos uma garota brilhante.Um dia recebi um telefonema.Tony sofrera um grave acidente de carro e estava internado em estado grave. Cheguei lá o mais depressa que pude, mais já era tarde demais. Tony morreu. Não preciso dizer que essa perda me abalou terrivelmente. Mais o que me fez chorar foi uma carta encontrada em seu quarto, endereçada a mim. Nela, havia uma velha foto nossa e uma rápida mensagem:


“Me perdoe, minha amiga”. “Sinto saudades.”


 


O tempo passa  e muitas coisas acabam ficando para trás. Mas os grandes amigos nunca se vão.Olhe para dentro de si e verá que existe um lugar maravilhoso habitado por eles. Nunca se esqueça disso, e nunca se perca de quem você ama. Nunca desista dos seus companheiros.E acima de tudo, nunca desista de você mesmo.

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