O Grande Julgamento

“Dize-nos quando sucederão estas coisas e que sinal haverá da tua vinda e da consumação do século.” (Mt 24.3b).

1) O Juízo de Deus.

Os capítulos 24 e 25 de Mateus são parte do que se convencionou chamar de o apocalipse sinótico , cujos paralelos são Marcos 13 e Lucas 21. O apocalipse não é somente o último livro da Bíblia, mas uma forma de escrever um gênero literário que existe desde o Antigo Testamento. O nome vem do verbo apokalipsô – revelo . Assim, apocalipse é um escrito, fruto de revelação; esta é uma definição simples, embora tecnicamente o tema seja mais complexo.
No versículo citado, a pergunta dos discípulos já supõe um apocalipse, pois, em essência, eles pedem uma revelação a Jesus.
Por que, afinal, o bispo resolveu escrever acerca deste tema? A razão é que há muito tempo irmãos pedem para que eu escreva sobre o assunto Juízo de Deus, final dos tempos. O que vou escrever é uma breve aplicação do tema, pois nosso espaço não permite mais do que isso.
A questão é de difícil colocação, pois há quem manipule o tema para afirmar convicções pessoais; começa com a Bíblia e sai dela divagando ou inventando linguagem simbólica.
Jesus preveniu que alguns haveriam de usar o tema apocalipse-escatologia, para enganar. Antes de iniciar seu ensino, Ele disse: “Vede que ninguém vos engane.” (Mt 24.5).
Assim, o Juízo de Deus, na linguagem de Jesus nos Evangelhos, se dá diante de um processo histórico, onde o alvo é resgatar a justiça, o amor, e a paz existentes no Jardim do Édem, Deus restabelecendo o ideal da criação, reconciliando o mundo criado entre si e com Ele. Evidente, que há os que resistem aos intentos de Deus. Mas Deus cumprirá todos os seus planos, assim já diz um dos nossos belos hinos (HE 414, 1.ª):

Os seus intentos cumpre Deus
No decorrer dos anos.
Ele executa o seu querer
De acordo com seus planos.
Eia! Aproxima-se o final!
Bem perto o dia vem,
Quando a glória de Deus
Há de o mundo inundar,
Como as águas cobrem o mar.

2) O princípio das dores (Mt. 5-14).

Nossa realidade já está impregnada das sentenças proféticas e apocalípticas de Jesus.
“Muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo.” (Mt 13.6). Nossa história é pródiga em produzir pessoas que pretendem ser “o messias”, o salvador da pátria. Quando pensamos neste texto, nos vêm à mente figuras de líderes religiosos; mas não são só eles que se insinuam como messias. Políticos, como Hitler, na Alemanha, Franco, na Espanha, Lênin, na Rússia, pretendiam ser salvadores do povo. Em virtude disso, praticaram todo tipo de maldade, violência – fruto da arrogância de quem se imaginava o “Cristo”, sem o ser. Grupos religiosos e líderes religiosos seguem, hoje, o mesmo caminho: eu sou o messias, nós somos a única “Igreja”, e, nesse nome, praticam a exclusão, e desandam a agredir outros.
A Igreja tem sido, algumas vezes, autora desse messianismo, mas, mais freqüentemente, vítima. Isso, porque os “messias” “cristãos” não subsistem em nosso meio, já que não há lugar para novos messias, pois, entre nós, há só um Messias – Jesus. Quase sempre tais messias começam bem: humildes, abençoados, mas a excelência do poder de Deus em suas vidas sobe à cabeça e passam a se julgarem bons, revestidos de missão especial, de reformadores da Igreja, e não há mais limites para a arrogância. Esquecem que “Deus é o Juiz; a um abate, a outro exalta.” (Sl 75.7). Deus dá o seu Espírito, e, também, o retira (cf. Jz 16.20b).
Hoje, estamos mergulhados em guerras: “… ouvireis falar de guerras e rumores de guerra … (Mt 24.6b). Sabemos que, historicamente, a humanidade tem convivido com muitos mais ciclos de guerra do que de paz. Nestes dias, quando há guerra no Iraque, e Israel bombardeia o Líbano por causa das guerrilhas, sentimos o coração apertado, diante da cena de tanta morte. Especialmente, nós que vivemos nas grandes áreas urbanas do Brasil, onde diariamente morrem mais vítimas inocentes, do que no Iraque.
Esta dor de um mundo mergulhado em violência, algumas promovidas por líderes religiosos, cristãos e islâmicos, de um lado George Bush, de outro Bin Laden, e, na retaguarda deles, teólogos justificando a barbárie contra a criação de Deus. No texto de Mateus, a guerra é citada como sinal que se opõe a Deus; a guerra é produtora de morte, é contra o Deus da vida, a guerra gera fome e destruição; Deus quer gerar entre nós fartura e construção (cf. Mt 24.7). Este tempo de guerras trará tribulação (cf. Mt 24.9); os que anunciam o nome de Jesus e seu Evangelho serão odiados (cf. Mt 24.9), isto porque os interesses do mundo estarão longe de Deus. O sucesso econômico, seu domínio, justifica a morte e a violência, como de fato já ocorre.
Neste tempo, as pessoas trairão, odiarão uns aos outros, e se levantarão falsos profetas (cf. Mt 24.11). Alguns dirão que sempre foi assim. Eu concordo, mas nossa geração vive, agora, o seu próprio apocalipse, conforme narrado por Jesus. Isto nos envia, nos aponta, ao fim, a Escatologia, que não pode ser perdida de vista no horizonte teológico-missionário da Igreja. Sob pena de decidirmos que é normal toda esta barbárie que estamos vendo. O apocalipse nos aponta que precisamos resistir, orar, pregar que este não é o mundo que Deus deseja para nós. Um mundo onde a iniqüidade (adultério, prostituição, pornografia, fome, pobreza) se multiplica, e, por isso, disse Jesus: “ … o amor se esfriará de quase todos.” (Mt 24.12). Isto, sim, é o caos, a ausência de Deus. Vermos o amor deixar de existir, a violência se multiplicar, sangue inocente sendo derramado em nossas ruas. Sim, nós vamos resistir a isso.
Duas revelações Jesus enseja contra este horizonte apocalíptico das dores: 1) “Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo.” (Mt 24.13); 2) “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim.” (Mt 24.14). Deixe-me comentar brevemente essas duas ordens bíblicas de Jesus:

2.1) Perseverar nos caminhos de Jesus, como exigência do Evangelho.

Precisamos ser cristãos/ãs que se espelhem só em Jesus. Resistimos aos salvadores da pátria, aos falsos messias, que só desejam usar o povo em benefício próprio; afinal, nossos olhos estão postos em Jesus: queremos amar como Ele amou, andar como Ele andou, olhar como Ele olhou (cf. Mc 10.21). Esta é nossa fé, e nela perseveramos.

2.2) Pregar o Evangelho do Reino, o Evangelho da Salvação.

É necessário radicalizar em intensidade nossa pregação. O mundo precisa conhecer Jesus. E num mundo onde o ódio e a violência são os sentimentos do momento, nós precisamos radicalizar no amor, precisamos ser um coração e uma só alma, se quisermos que o mundo creia que Deus nos enviou (cf. Jo 17.21). O mundo, o Brasil, o Rio de Janeiro, choram diante do ódio e de violência. Cabe a nós enxugar as lágrimas, e substituí-las com muito amor e esperança, que só Jesus Cristo pode dar. Não há fronteiras, todos precisam do Evangelho do Reino, que diz: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3.16). Nossa tarefa é pregá-lo e vivê-lo a tempo e a fora de tempo, dentro e fora da Igreja, pois essa tarefa, segundo Jesus, aproxima a escatologia, o dia do Senhor, o Juízo de Deus.

3) A vinda do Filho do Homem e o Grande Julgamento.

Pouco pregamos, pouco ensinamos, sobre a seqüência deste clima de dores e tribulação, por nós brevemente descrito, ou seja, sobre a segunda vinda de Jesus, seu Reino, e o grande julgamento.
Durante séculos, a Igreja do Senhor tem tido, no credo apostólico e na oração do Senhor, o Pai Nosso, breves, mas decisivas sínteses da confissão da fé cristã. No Pai Nosso, oramos: Venha o teu Reino; no Credo Apostólico, declaramos: … subiu aos céus e está assentado à destra de Deus Pai – Todo poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos … e na vida eterna …
Quando foi a última vez que você pregou, ou ouviu um sermão sobre o juízo final, sobre a segunda vinda de Cristo?
João Wesley, nosso pai na fé cristã metodista, raramente concluía um sermão sem advertir seus ouvintes sobre o juízo final. Num deles, assim se expressa, comentando um trecho do Sermão do Monte, que trata do juízo de Deus sobre a vinda diária (cf. Mt 6.22-23 e Mt 7.16-20).
Onde estão vossos olhos? Onde está vossa compreensão? Enganastes aos outros, até que também vos enganásseis a vós mesmos? Quem exigiu de vós que ensinásseis um caminho que jamais conhecestes? Estais “entregues” a um tão “forte erro”, que não somente ensinais a mentira, mas “credes na mentira”? E é possível que acrediteis que Deus vos enviou? que sois seus mensageiros? Não; se o Senhor vos tivesse enviado, a obra do Senhor teria prosperado em vossas mãos. Vive o Senhor que, se fôsseis mensageiros de Deus, Ele confirmaria “a palavra de seus mensageiros”. Mas a obra do Senhor não prospera em vossas mãos: não levais pecadores ao arrependimento. O Senhor não confirma vossa palavra, pois que não salvais almas da morte eterna.
Como podeis eficazmente fugir à força das palavras de nosso Senhor – tão completas, tão vigorosas, tão expressivas? Como podeis fugir ao conhecimento de vós mesmos através de vossos frutos – maus frutos de árvores corrompidas? E como poderia ser de outra sorte? “Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos?” Tomai esta interrogação para vós, a quem ela pertence! Ó vós, árvores estéreis, por que atravancais o solo? “Toda árvore boa dá bom fruto.” Não notais que esta regra não admite exceção? Reconhecei, portanto, que não sois boas árvores, porque não produzis bons frutos. “Mas a árvore má produz maus frutos”; e assim tendes feito desde o começo. Vossas falas, insinuadas em nome de Deus, somente têm confirmado os que as ouvem no caráter, senão nas obras do diabo. Obedecei ao aviso daquele em cujo nome falais, antes que se execute a sentença por Ele proferida: “Toda árvore que não dá bom fruto é cortada e lançada ao fogo.” Assim Wesley confronta o tempo toda a vida do povo com o texto do Evangelho; e aponta o confronto que todo ser humano terá um dia com Deus.
O que está acontecendo, hoje, é que, por todas as vias teológicas, o que importa é a teologia do aqui e agora. Uma grande pesquisa nos EUA constatou que cerca de 89% das pessoas que freqüentam as igrejas tem expectativas quanto ao que podem receber, agora, para o seu dia-a-dia. Não conheço pesquisa semelhante no Brasil, mas, diante dos temas das Igrejas Evangélicas, suponho que a grande maioria quer receber resultados de sua fé, e de sua participação na igreja, aqui e agora. Por isso é cada vez mais intensa a migração de crentes entre as igrejas; não existe mais fidelidade denominacional, convicções doutrinárias; o que vale é como eu vou ser abençoado, como vou resolver meus problemas. Está decretado o fim da escatologia, pois poucos se interessam com o destino eterno da alma humana. Com isso, até o conceito de salvação foi alterado; salvação é o emprego melhor, a cura da enfermidade. Conversão, então, está definitivamente, no meio evangélico, recontextualizado, se você vai à igreja regularmente, dá o dízimo, a oferta de sacrifício, está salvo, é um “crente”.
Posso estar fazendo uma caricatura da realidade, mas que a situação é de preocupar, isso todos sabemos.
O certo é que o Evangelho é claro, não dá para esconder: Jesus voltará e julgará os vivos e os mortos. Como estamos preparando a Igreja para esse grande dia?
Pelo que Jesus diz, todos os povos da terra se lamentarão. Por que farão isso? Porque ouviram a mensagem e não a levaram a sério. Alguns até ridicularizaram, ao invés de pregar a fé em Cristo e na sua vinda, pregaram incredulidade.
Veremos o Filho do Homem vindo com poder e glória. Que grande dia! Precisamos ter isso em conta, pois é parte central da mensagem de Jesus e de sua Igreja desde o início.
Além das parábolas, que não vou abordar aqui (cf. Mt 24.32-25.30), resta o julgamento (cf. Mt 25.31-46). Este texto incomoda a todos os teólogos, em vários sentidos. Vou sublinhar só dois: Primeiro, que Jesus não estabelece neste texto de Mateus nenhuma confissão de fé para ser salvo. O que está dito com muita clareza é: Não é o que você crê de Jesus, mas sim o que a sua nova vida em Cristo, e a fé nEle levou você a fazer nesta vida, pois a decisão é clara: “Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me.” (Mt 25.34-36). Eu, como metodista, até que gostaria que Jesus dissesse: Vinde benditos de meu pai, porque levastes a sério os 25 artigos de religião que meu servo João Wesley escreveu. Na verdade, nós sabemos que se cumprirmos nossas confissões de fé, teremos uma vida cristã que há de produzir as ações que Jesus aprovará no juízo. O que está dito, neste texto do juízo, é que não basta você ter aceitado a Cristo como seu Salvador, é necessário segui-lo, e viver em sua graça e amor.
A segunda questão que nos incomoda é o que Jesus enfatiza no final: “Então, lhes responderá: Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer. E irão estes para o castigo eterno, porém os justos, para a vida eterna.” (Mt 25.45-46). Embora nem sempre tenhamos pregado, a verdade é que os que não creram e não viveram o Evangelho irão para o castigo eterno. As teologias humanistas que tiram Deus do centro e põem o homem ficam indignadas com o conceito de castigo eterno, pois, para elas, Deus não vai condenar ninguém. O problema é que esta teologia não procede das Escrituras, não é bíblica.
Encerro estas breves considerações sobre a escatologia, com certeza incompleta, mas nosso objetivo é estimular a Igreja a retomar o tema em sua agenda.

Bispo Paulo Lockmann

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