O susto dos mestres

Em Oxford, na Inglaterra, mais ou menos pela mesma época, um pouco depois da metade do século XV, a reação de estupor, esta real, não foi diferente. Dizem que na primeira reunião da congregação docente feita naquela casa do saber, em seguida à chegada da notícia do extraordinário acontecimento que se dera em Mainz, a desolação fora geral. Os professores ingleses, desconsolados, acreditaram que, com a vinda dos livros impressos, eles não teriam mais função. No futuro, pensaram eles, qualquer um poderia adquirir um livro e aprenderiam tudo por si mesmos.


Longe, porém, ser esta a intenção de Johannes Gutemberg, um pacífico mestre gráfico alemão, um ex-ourives que aprendera a Nova Arte da impressão com caracteres móveis, e cujo nome verdadeiro era Henne Gänsfleisch zur Laden. Quando ele retornou a sua cidade natal, Mainz, em 1448, onde nascera numa data imprecisa, entre 1394 e 1404, estava distante dele qualquer intenção subversiva. Filho de um integrante do patriciado da cidade, ele estivera por alguns anos em Estrasburgo aprendendo a arte gráfica, de onde voltara com o sonho de compor uma Bíblia. Jamais lhe passaria pela cabeça que um livro impresso poderia abalar a fé fosse de quem fosse, ou ainda ser capaz de tirar o sossego e o emprego dos mestres do saber. Ao contrário, pensou ele, imprimir o Livro Santo era fixar as suas palavras divinas bem fundo na mente dos homens. Tratava-se de um pilar da fé, não uma remoção da estaca que sustentava a crença nos céus. A sua cidade mesma, Mainz, a “Aurea Moguntia” dos tempos romanos, chamada de “Senhora dos povos” ou “Diadema do Reich” , uma jóia preciosa da Alemanha medieval, situada na beira do Rio Reno, era governada por um arcebispo – um dos príncipes eleitores do Sacro Império e também Primaz da Germânia inteira – , portanto, um bastião da fé.


Se bem que uma das utilizações do seu invento foi proporcionar à Igreja Católica uma maneira mais eficaz de vender indulgências, até então negociadas com recibos feitos a mão, chegando-se a imprimir mais de 200 mil delas, não se pode dizer que o invento dele provocou indiretamente a Reforma.


O mestre-impressor convenceu um sócio a ajudá-lo no empreendimento, pois sairia muito caro executar o Werk der Bücher, o trabalho do Livro. Por volta de 1450/2, o próspero advogado Johan Fust, um burguês da cidade, alcançou-lhe em adiantamento, com o beneplácito da autoridade, a soma de 800 guldens para ele pôr em marcha o ambicioso projeto. Tudo resultou numa maravilha: a Bíblia Mazarin, a Bíblia de 42 linhas, como a chamaram, toda ela com letras góticas, foi aprontada em 1455. As suas ilustrações, belíssimas, se assemelhavam, ainda que em miniatura, aos vitrais das imponentes basílicas da cristandade. Com 20 auxiliares, chamados de orfebres, que se revezaram na oficina Gutemberg-Fust da rua Hof zum Humbrecht, ele construiu uma catedral de papel, feita de 1.282 páginas e de 290 gravuras. Até hoje, os 48 originais que restaram, dos 180 impressos (150 em papel e 30 em pergaminho), são os mais belos exemplares dos que até hoje foram produzidos pela técnica dos tipos móveis que tanto ele se empenhou em aperfeiçoar e difundir. “A imprensa”, dizem que ele teria dito, “era um exército de 26 soldados de chumbo com os quais poderia conquistar-se o mundo”.
  
Cinco século depois do invento que mudou o mundo, o canadense Marshall McLuhan, um teórico das comunicações, tido então como “Oráculo da Era Eletrônica”, decretou o fim do seu império. No seu The Medium is the Massage (a Galáxia de Gutemberg, de 1962), afirmou que o Cosmo da Impressão, inaugurado pelo gênio de Mainz havia cinco séculos passados, teria poucas chances de sobreviver numa aldeia global que então se constituía, movida toda ela pela força das imagens. Uma nova galáxia, a audiovisual, então em fase de assombrosa expansão, em breve iria superá-la, dominando a Global Village. Pois não foi o que aconteceu. Longe do livro impresso desaparecer, o produto do prelo luminoso de Gutemberg, associado ou não às imagens, tem brilhado ainda mais.

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