” Se a Cruz é suavidade quando começa deve chegar ao calvário se quiser chegar ao fim. E se nela enxergamos o maior instrumento de martírio devemos entender que é precisamente ali que nascem as maiores esperanças.”
Por acaso você conhece um quadro de Holman Hunt intitulado “A Sombra da Morte”?.
John Stott em seu livro A cruz de Cristo descreve-o singularmente assim: ele representa o interior da carpintaria de Nazaré. Jesus, nu até a cintura, está em pé ao lado de um cavalete de madeira sobre o qual colocou a serra. Seus olhos estão erguidos aos céu, e seu olhar é de dor ou de êxtase, ou de ambas as coisas. Seus braços também estão estendidos acima da cabeça. O sol da tarde, entrando pela porta aberta, lança, na parede atrás dele, uma sombra negra em forma de cruz. A prateleira de ferramentas tem a aparência de uma trave horizontal sobre a qual suas mãos foram crucificadas. As próprias ferramentas lembram os fatídicos prego e martelo. Em primeiro plano, ao lado esquerdo, uma mulher está ajoelhada entre as raspas de madeira. Suas mãos descansam no baú em que estão guardadas as dádivas dos magos. Não podemos ver a face da mulher, pois ela se encontra virada. Mas sabemos que é Maria. Ela parece sobressaltar-se com a sombra em forma de cruz que seu filho lança na parede.
A cruz, sinônimo de ignomínia, dor, sofrimento e humilhação.
Não há neste mundo quem não carregue a sua. Não há como evitá-la, mas há como diferenciá-la…
UM SÍMBOLO
A cruz não foi, como muitos pensam, o único símbolo dos cristãos. É importante saber que nos primórdios do cristianismo alguns outros símbolos ocuparam este lugar.
Em alguns sepulcros subterrâneos na periferia de Roma, onde os cristãos perseguidos provavelmente se esconderam, encontram-se pinturas evasivas de um pavão ( que se dizia simbolizar a imortalidade), uma pomba e um peixe.
Somente os cristãos e ninguém mais poderiam adivinhar que ichtys (peixe) era o acrônimo de IESUS CHRISTOS THEOU HUIOS SOTER (Jesus Cristo Filho do Deus Salvador) que era usado como símbolo do cristianismo. Mas a associação entre Jesus e o peixe era simplesmente alfabética e fonética, nada mais; por isso este símbolo não perdurou.
Ainda outros, como a pintura de temas bíblicos, provavelmente no século II, tiveram seus lugares. Ao longo do tempo foram ou poderiam ter sido escolhidos como símbolos: inúmeros formatos, inúmeras imagens, quadros que descrevessem o ministério, os milagres, a glória, a majestade, o poder ou a soberania daquele que venceu a morte e seus aguilhões. No entanto, embora haja um lugar de inaudita importância reservado para cada um desses acontecimentos (desde o nascimento até a ascensão de Jesus), uma coisa é certa, nenhum desses possíveis símbolos teria qualquer possibilidade de tomar o lugar reservado para o pagamento do meu e do seu pecado. Só a cruz perdurou e só suas conseqüências perdurarão eternamente, as marcas nas mãos de Cristo. Ali está o trono do exemplo da humildade, ali está o trono da redenção.
As obras de Cristo ao longo da sua vida, são dele, devem servir-nos como exemplo de imitação, mas a cruz de Cristo também é nossa, e é na sua morte que temos a possibilidade de participar da vida que Ele nos ofertou, é com a cruz que estávamos comprometidos. Por isso ela é em primeiro plano símbolo da vitória de Cristo “mas para nós que somos salvos a cruz é poder de DEUS” I Cor.1:18.
Muitos gostam de usar quaisquer tipos de símbolos (em camisas, adesivos no carro, etc.) pensando não haver nenhum comprometimento em usá-los, não há símbolo que não tenha o seu significado específico ou uma razão especial por que foi criado.
Se isso não é verdade com os símbolos, é muito menos com a cruz.
Todos temos na vida uma cruz como símbolo da vida.
Alguns chegam a dizer que a vida é uma cruz. O sofrimento, o escárnio, as vicissitudes, as duras provações do quotidiano, os desertos da vida são cruzes compartilhadas.
A CRUZ DO ESCRAVO E A CRUZ DO SERVO.
O povo de Israel carregava sob seus ombros o peso quase insuportável de uma cruz destinada aos escravos. Libertar-se do Egito e sua escravidão, representava mais do que uma independência política significava ir e adorar ao Senhor (Gênesis, 7:16). Tirar dos ombros fardos do mundo e sobre eles depor fardos, algumas vezes até mais pesados, masque representam salvação.
O povo de Israel não suportava mais a condição de escravos, não somente pelo trabalho mas pelas questões sociais que envolvia a vida de um escravo. Ser um escravo no Egito significava ser um escravo do mundo, trabalhar sob pressão à outros deuses, carregar uma cruz sem rumo e sofrer sem salvação.
A escravidão não implica em problemas físicos mas ideológicos, pois não é o trabalho que incomoda mas o trabalho sem objetivo, sem alvos pessoais… a liberdade está em jogo. Ser livre é negar-se a si mesmo, tomar a sua cruz e seguir um alvo, Jesus (Mat. 16:24). Ser escravo é jactanciar- se, tomar a mais pesada e estafante das cruzes e andar sem destino.
A imposição do inimigo é a escravidão. A terra de um escravo é o Egito e a sua cruz são as dolorosas conseqüências de sua escolha. Mas a cruz que DEUS nos conclama a carregar não é a cruz de escravos mas a cruz de servos. O servo é livre ideologicamente.
“Se alguém Me serve, siga-me; e, onde eu estiver, ali estará também o meu servo. E se alguém me servir o meu Pai o honrará.”(Luc. 16:13) Ele trabalha, certo de que será recompensado pelo seu Senhor e sobre tudo pode escolher a quem servir (livre arbítrio) em outras palavras ele pode escolher carregar ou não a sua cruz, é livre.
Disse Jesus: ” Tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.”. Mat. 20:28.
O povo de Israel esquecera que houvera sido tirado do Egito para um propósito. Carregar uma cruz pesada, mas não mais nas condições de escravos, agora eram servos eleitos para a salvação; se por um lado a cruz ( não mais de escravos), representava as durezas e grandes provações do deserto, deveriam lembrar-se que eram livres, estavam a caminho da terra prometida, Canaã. Muitas vezes nesse trajeto o povo desejou e pediu para abandonar a cruz de servos, mas nos momentos em que esta cruz foi abandonada e buscaram pesos desconhecidos para um servo, pesos de arrogância e vaidade – bezerro de ouro (Êxodo 32:4.Êxodo 32:20 Êxodo 32:35) / satisfação própria – carne e alimentos do Egito( ÊXODO 16:3 e 8); como escravos que eram dessas satisfações morreram ingerindo-as, morreram pela boca pagando pelo que disseram desejar ter dentro dos seus corpos.
Mas aqueles dentre o povo que se mantiveram firmes em carregar a cruz de Cristo sentiram e viram com seus próprios olhos, o poder salvador que emanava da cruz quando foram assaltados pelo mortífero veneno das serpentes que surgiram do deserto. Diante deles estava a cruz (Núm.21:8,9) que simbolizava a cruz que o Salvador os convidara a carregar pelo deserto até Canaã, a cruz da renúncia a si próprios mas a cruz que salva dos mortais assédios do tentador. Ali, sim ali diante deles, estava a cruz que simbolicamente tinham estado carregando pelo duro deserto. A cruz que algumas vezes abandonaram podia agora ser vista, apalpada e sentida pois dela emanava poder capaz de assegurar a vida.
E ainda hoje é nela que a nossa libertação eterna da escravidão está garantida. Levando-a sobre os nossos ombros a cada dia temos vida em nós e liberdade para oferecer àqueles que são escravos do mundo, presos às correntes da morte.
UM DEUS QUE CARREGOU A CRUZ DE SERVO.
O povo de Israel aponta para Aquele que enfrentaria o verdadeiro e mais temível deserto de tentações e provações que um ser humano pode suportar.
Quando Maria beijava a criança que estava em seus braços estava beijando a face do seu Criador, do DEUS do universo. Impossibilitado de freqüentar as grandes escolas de sua época esta criança fora dedicadamente burilada através de mãos humanas e ensinada a carregar desde a juventude a cruz de um servo. Dia após dia, o pequeno Jesus sentava-se aos pés de Sua prestimosa e humilde mãe e professora. Tal poder tinha Maria ao ensinar que ainda muito jovem Jesus fora achado ensinando no templo aos doutores da lei. A eficiência e o sucesso no ensino está em saber de onde emana o poder para ensinar. O grande compromisso do ensino Cristão está em não colocar sobre os ombros dos alunos cruzes que não sejam a cruz da liberdade para a salvação, a cruz que no momento da grande provação e luzes apelativas deste mundo, possibilite aos jovens salvação num olhar.
Em seu ministério, o fardo da cruz que sua mãe própria lhe ensinara por inspiração divina a levar, torna-se a cada momento mais pesado.
Aqueles doutores que outrora se admiraram no templo do pequeno Jesus, tinham cruzes teológicas cujos dogmas e filosofias eram escravistas. A cruz que nos escraviza nos torna cegos para impossibilitar-nos de ver como ser livres sendo um servo.
E quando a cruz de Cristo se confronta com a cruz teológica da escravidão, as filosofias, as intelectualidades, os dogmas que obrigam, as obras que “salvam” são iluminados à luz que emana da cruz e tudo o que se vê são traços de imundície. Cegados pelas aparências, pensavam eles que a cruz que estavam carregando era a cruz que conduziria a salvação.
Aquela, pensavam os judeus, não era a vida para um Messias. Segundo eles, servo não era papel para um messias digno e carregar uma cruz não é tarefa para um Messias. Através das boas obras julgavam ser eles capazes de carregar a cruz que pertencia a Cristo. E o inimigo pôs sobre eles a cruz errada; em vez da cruz do serviço e renúncia, pôs ele à cruz da escravidão aos dogmas e às leis, a cruz das obras.
A cruz de servo, a cruz que liberta, a cruz que ilumina, a cruz da dependência do pai; levá-la sobre os nossos ombros é a nossa parte na salvação. Não é nossa tarefa carregar a cruz que Ele já carregou em nosso lugar.
A cruz que o nosso Salvador levou sobre seus ombros durante toda a Sua vida terrestre, enfrentando nos desertos da tentação as mortíferas picadas da maior de todas as serpentes que é satanás, enfrentando fome e sede, sem Ter lugar adequado para reclinar a cabeça, foi finalmente erguida, A semelhança do povo de Israel, para a Sua salvação e de toda raça humana. O que o povo de Israel enfrentara no deserto era um prenuncio do que o próprio DEUS enfrentaria em sua vida aqui nesta terra.
A cruz que foi erguida para a salvação do povo de DEUS no deserto foi a mesma que suportou o peso do salvador no calvário para a salvação de todos os que viveram, vivem e viverão.
Diz o Pe. Monier Vinard : ” Quem não sacrifica nada não ama. Quem sacrifica pouco ama pouco. Quem sacrifica tudo ama totalmente.” Tudo evoluciona, mas a cruz de Cristo permanece para novas conquistas, novos sacrifícios e novos triunfos sobre o mal. Não crê quem não crê até a morte, não ama quem não ama até ao sacrifício supremo. Aquele, de quem os cristãos tomaram o nome e é o seu Comandante, banhou a Cruz com Seu Sangue, abraçou-a como objeto há muito desejado, morreu sobre ele para vencer a morte e nos libertar da destruição eterna. O triunfo da Cruz será o triunfo total da justiça e da verdade. Todos assistirão a ele, todos participarão dele, mas nem todos da mesma forma. Só aqueles que combaterem pela Cruz de servo não se envergonharem dela, triunfarão com ela nesse dia, coroados de glória por toda eternidade.
Somos salvos ou não das peçonhentas picadas do tentador dependendo da cruz que temos carregado a cada dia, ela fará a diferença na hora da provação e do assédio nos desertos da vida. Se aceitamos carregar a cruz de servos a salvação e a vida nos estarão asseguradas num olhar. Num olhar, porque o que havia de ser feito já foi feito por aquele que banhou a cruz com seu próprio sangue.
Mas aqueles que não escolherem carregar a cruz de servos do Altíssimo, por medo, interesses pessoais ou conveniências, já estão levando sobre os seus ombros a cruz de escravos e no Gólgota assumirão suas conseqüências. Não mais o Messias será morto, eles é que serão pregados nesta cruz como escravos da morte eternamente.
Josemar Monteiro de Oliveira