O apóstolo Paulo põe o paradoxo das possibilidades de vida em duas expressões: o cristão não deve produzir as obras de carne, mas, antes, o fruto do Espírito Santo. Ao colocar as manifestações da carne no plural, o escritor bíblico quis deixar claro que elas são múltiplas e que o cristão não se deixa escravizar por todas elas de uma só vez. Além disso, ele termina a frase, acrescendo um “e coisas semelhantes a estas”. Este “etc.” paulino mostra a amplitude das possibilidades no erro, diante das quais devemos estar vigilantes. A lista não poderia mesmo ser limitada porque a criatividade humana é ilimitada.
Quando o apóstolo passa a dar como o cristão deve viver, ele usa a expressão “fruto do Espírito” no singular. Cada arvore só da um tipo de fruto, segundo a sua espécie. Esta ênfase paulina indica que essas virtudes não são para ser escolhidas no balcão do Espírito Santo, mas que devem compor a bagagem de todo cristão. O cristão não pode ser amoroso e triste, mas amoroso e alegre. A árvore de quem vive no Espírito Santo deve dar este fruto: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. É um fruto só. Quando alista a última parte do fruto, Paulo não coloca um “e”, como a reforçar a unidade deste fruto.
Não há hierarquia nesta relação. O amor não é mais importante que a mansidão. Amor e mansidão são expressões do mesmo fruto. Não é fácil viver no Espírito. Por isto, a Bíblia está sempre a nos orientar neste projeto de vida. O fruto do Espírito é, portanto, integral, holístico. Eu não posso dizer: – Fidelidade é comigo, mas não espere de mim domínio próprio.
Uma bola de futebol sem um dos seus gomos não é uma bola de futebol. Não há uma progressão nesta manifestação. O amor não é mais importante porque vem em primeiro lugar. O domínio próprio não é menos valoroso porque vem por último. Ambos, como os demais, são faces do mesmo fruto.
Ao tratar, portanto, deste fruto, podemos começar por qualquer um dos lados. Podemos começar pela alegria.
Na perspectiva bíblica, a alegria é um fruto do Espírito, isto é, não é unta virtude que nós possamos produzir, mas uma manifestação do Espírito Santo em nós. A nossa participação consiste em permitir que o Espírito Santo a inocule (introduza, enxerte) em nós e em cultivá-la por meio de uma vida de intimidade com o Espírito Santo.
ALEGRIA COMO IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS
A narrativa da criação do mundo (Gênesis 1) contém uma frase que se repete ao termino de cada dia: “Viu Deus que isso era bom”.
A criação do mundo, peito por parte, deu prazer a Deus. No primeiro dia, Ele não olhou para o que restava e se lamentou. Antes, Ele se alegrou no que já tinha feito. Sua atitude é diferente de muitos de nós, pessimistas profissionais, sempre a lamentar o que falta ser feito, como um peso incarregável.
Deus é alegre. Ao relembrar a promessa divina ao seu povo, prestes a entrar na terra prometida, Moisés afirmou: “O Senhor teu Deus te fará prosperar grandemente em todas as obras das ruas mãos, no fruto do teu ventre e no fruto dos teus animais e no fruto do teu solo, porquanto o Senhor tornará a alegrar-se em ti para te fazer bem, como se alegrou em teus pais” (Dt 30.9).
Onde Deus está, há honra e majestade mas também força e alegria (1 Cr 16.27). Na presença dEle, há plenitude de alegria (Sl 16).
Esta marca do caráter de Deus é reafirmada por ocasião do batismo de Jesus Cristo (Mt 3.17).
Jesus disse que no céu há alegria quando um pecador se arrepende (Lc 15.7). O mesmo Jesus informou a motivação a sua pregação: para que seus discípulos (os de ontem e os de hoje) “tenham a minha alegria completa em si mesmos (Jo 17.13).
Como imagem e semelhança de Deus, nós devemos ser alegres. A propósito, a palavra alegria (na forma substantiva, verbal e adjetivo), com seus sinônimos, aparece na Bíblia aos milhares, na certeza que o coração alegre aformoseia o rosto; mas pela dor do coração o espírito se abate (Pv 15.13).
Não há contradição entre alegria e santidade. Nada mais estranho que um santo triste. Um santo não pode ser triste. Por isto, nada mais estranho que o retrato que geralmente se pinta de Jesus: rosto sério, face crispada, jeito de poucos amigos. Será que, em Caná da Galiléia, Jesus estava num canto da festa ou estava participando dela? Pelo relato bíblico, sabemos que Jesus estava se divertindo e chegou a providenciar mais vinho para que a festa prosseguisse. Uma das críticas que os raivosos e entristecidos fariseus faziam ao Senhor Jesus foi a seguinte: “Eis ai um comilão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores” (Mt 11.19). Ele não era um glutão ou um beberrão, mas comia e bebia com os que vinham a Ele, o que contrariava a idéia de uma religião séria, pesada e triste, A religião cristã, infelizmente, está mais para os fariseus do que para Jesus.
Precisamos recuperar o hedonismo cristão, com uma teologia e uma atitude que condenem a alegria superficial, mas reforcem a alegria no Espírito Santo, presente em todas as áreas da nossa vida.
Assim, portanto, nosso culto deve ser alegre, nunca um funeral. Nem a celebração da Ceia do Senhor pode se parecer com um funeral, porque, se é celebrada em memória, ela o é em memória dAquele que vem. A Ceia do Senhor é, portanto, um memorial de esperança, não de morre.
Devemos adorar a Deus com a mesma atitude do poeta bíblico: “Irei ao altar de Deus, a Deus, que é a minha grande alegria e ao som da harpa te louvarei, oh Deus, Deus meu (Sl 43.4).
Nossa vida precisa estar enxertada da alegria que vem de Deus. Depois de uma experiência de culto, Esdras e Neemias abençoaram o povo, mandando-o para casa, com a seguinte recomendação, válida para hoje: “Ide, comei as gorduras, bebei as doçuras e enviai porções aos que não têm nada preparado para si: porque este dia é consagrado ao nosso Senhor (Ne 8.10a).
Alguns justificam a sua tristeza com os problemas dos outros. Como posso ser alegre, se há pessoas famintas. Esdras e Neemias respondem: “levem porções aos que não têm nada e festejem”. A alegria não precisa ser alienada e alienadora.
PARA UM HEDONISMO DO ESPÍRITO SANTO
No hedonismo cristão, a alegria decorre da habitação do Espírito Santo em nós. Portanto, não é uma marca que nós produzimos, mas uma manifestação do Espírito em nós e por meio de nós. É verdade plena que o reino de Deus não consiste no comer e no beber, mas na justiça, na paz, e na alegria no Espírito Santo (Rm 1417), mas também é verdade que a justiça, a paz e a alegria no Espírito Santo devem acontecer em ações concretas e mesmo festivas. Afinal, como ensina a Bíblia, “nenhuma coisa melhor tem o homem debaixo do sol do que comer, beber e alegrar-se; porque isso o acompanhará no seu trabalho nos dias da sua vida que Deus lhe dá debaixo do sol” (Ec 8.15).
Deixe o Espírito Santo inocular alegria em você
Quando o Espírito Santo convenceu você do seu pecado, e do juízo merecido; quando Jesus Cristo perdoou o seu pecado; quando o Pai escreveu seu nome no livro da vida, você se tomou um filho pleno de Deus, que deve viver segundo a imagem e semelhança da Trindade.
Não há mais motivos para a tristeza. Afinal, a alegria do Senhor é a sua força (Ne 8.10) Abra, então, lugar para que a força alegre do Espírito tome conta da sua vida e vá se expandindo dia a após dia. Quanto mais alegre você for, mais santo será.
A alegria do Espírito é aquela que não precisa de um ambiente festivo para se manifestar e muito menos de nenhum tipo de estimulante químico. Nutrido pelo Espírito, quando você for a uma festa, não vá buscar alegria; vá levar.
Cultive a alegria no Espírito Santo
Com uma licença poética, para fins de comparação, podemos falar no Espírito Santo em nós como uma planta. Para que esta planta dê fruto, precisa de água, ar e espaço. Lamentavelmente, há muito Espírito Santo amassado e abafado, ao ponto de ser extinto em suas conseqüências práticas na vida de muitos cristãos.
Cultivamos o Espírito, quando buscamos viver em intimidade com Ele. Essa é uma possibilidade concreta, e não apenas uma afirmação poética. Se o Espírito estiver em nós, seu fruto vai nascer na árvore da nossa vida.
Permita que a alegria do Espírito Santo se expresse claramente em você e por você
A alegria se expressa em várias formas em nossas vidas. Uma de suas manifestações é a chamada alegria interior, ponto de início de outras manifestações. Não nós preocupemos em saber se nós ou alguma pessoa está com esta alegria. Ela sai de dentro. É como a tristeza. Uma pessoa triste não precisa dizer que está triste; está na sua cara. Basta que a observemos.
Por isto, quem está alegre espiritualmente canalizará seu contentamento para fora. Nós experimentamos várias manifestações desta alegria, que não pode ser apenas, como queria o filósofo Henri Bergson, apenas uma anestesia momentânea do coração.
Uma das expressões da alegria do Espírito Santo é um cântico. É impossível a um crente alegre e feliz não manifestar sua alegria e felicidade sem cantar. Este cântico pode ser até discreto, na forma de um cantarolar ou assoviar, mas será cântico, mas não precisamos ser discretos sempre. Nossa experiência deve ser a do salmista (Sl 30.11, 12).
Esta é a sua história, ou você se esqueceu? Há cristãos mais tristes de quando não eram cristãos. Há cristãos calados. O que está havendo com você? Há algo profundamente errado com a sua vida. E a culpa não é de Deus. Cantemos louvores a Deus.
Outra manifestação de alegria em Cristo é o sorriso, que é diferente do riso. Num livro recente, o psiconeurologista norte-americano Robert Provine lembra que o sorriso é uma forma de comunicação visual, enquanto o riso é uma experiência auditiva. Ambos são mais um meio de comunicação e socialização do que um produto de humor. O sorriso se vê; o riso se ouve, mesmo no escuro. A propósito, o estudo, desenvolvido a partir de 1.200 situações de riso, mostra que as mulheres riem 20% a mais que os homens.
Devemos rir, devemos sorrir. Lembremos que o sorriso/riso no Espírito não ri/sorri dos outros, como se quem ri fosse superior àquele de quem ri; antes, o riso no Espírito é um riso com os outros, pela alegria do encontro e do convívio.
Há uma outra expressão de alegria que é o serviço. Os tristes não dão dízimo com alegria. Os tristes não ajudam os outros com prazer. Os tristes não promovem a causa da justiça. Como recomenda Paulo, a contribuição para a causa do Reino de Deus deve ser feita com alegria, não com tristeza. Como ensina Jesus, o serviço ao necessitado deve ser desenvolvido com prazer, como fez o chamado bom samaritano. Como ensina a Bíblia: “a execução da justiça é motivo de alegria para o justo” (Pv 21.15).
Viva com alegria, seja em gratidão pelo que Ele já lhe fez, seja em esperança pelo que Ele ainda lhe fará
Diante daquilo que Deus nos tem feito, somos gratos e a manifestação mais própria para o sentimento de gratidão é a alegria. Quem é grato é alegre. O louvor, que é uma expressão de alegria, é filho da gratidão.
Diante da clara manifestação de Deus em nossas vidas, tendemos a nos encher de alegria do Espírito.
Pode ser, no entanto, que nós enchamos de nós mesmos, considerando-nos os responsáveis pela abundância em que vivemos ou pela ausência de problemas. A Bíblia condena este desvio com contundência em Deuteronômio 28.47-48.
Há muitos crentes cujo problema é a abundância de tudo. Têm tanto que se afastam de Deus, fonte de nossa força; têm tanto que abafam a presença do Espírito de Deus fonte de nossa alegria, e se deixam tomar pela tristeza.
No entanto, há situações em que não é natural arrancar de nós mesmos um riso ou mesmo um sorriso. Nossa alma se abate e se perturba (Sl 43.5). Como cantar, quando nos parecemos com os judeus exilados, que perguntavam: “junto aos rios de Babilônia, ali nos assentamos e nos pusemos a chorar, recordando-nos de Sião. Nos salgueiros que há no meio dela penduramos as nossas harpas, pois ali aqueles que nos levaram ativos nos pediam canções; e os que nos atormentavam, que os alegrássemos, dizendo: Cantai- nos um dos cânticos de Sião. Mas como entoaremos o cântico do Senhor em terra estrangeira?” (Sl 137.1-4).
O mesmo salmista que pergunta: “Por que estás abatida, oh minha alma? e por que te perturbas dentro de mim? é o mesmo que responde: Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele que é o meu socorro, e o meu Deus” (Sl 43.5).
Se esta é a sua situação, permita que o Espírito Santo dê o Seu fruto na sua vida. Louve-O assim mesmo, porque Ele é seu socorro e o seu Deus.
A esperança faz que a alegria não dependa das circunstâncias.
CONCLUSÃO
Uma pessoa cheia do Espírito é uma pessoa alegre. A alegria é uma das conseqüências mais visíveis da plenitude do Espírito Santo em nós.
Que se aplique integralmente a nós a descrição feita por Lucas acerca de alguns primeiros cristãos: “os discípulos, porém, estavam cheios de alegria e do Espírito Santo” (At 13.52). Se vivemos no Espírito, somos alegres.