Neste Sermão vamos aprender sobre uma espiritualidade nada espetacular.
Lucas 4.1-13
Introdução
– Mario Vargas Llosa defende a tese de que vivemos na era ou Civilização do espetáculo
– Que tipo de civilização é essa? É a civilização que tem o entretenimento e a diversão como valores supremos; “onde divertir-se, escapar do tédio, é a paixão universal” (p. 29).
– O preceito universal de toda uma geração: quanto mais distração eu tiver menos terei de lidar com o vazio e a angústia da liberdade, responsabilidade e maturidade. Talvez por isso haja tanta gente mimada e imatura nos dias de hoje, independentemente da idade.
– Vamos assim mergulhando num profundo mar de “esquecimento” de nós mesmos, pela razão de que pensamos muito nosso próprio “bem-estar”.
– Diagnóstico de Nietzsche sobre os “homens do conhecimento” se aplica também aos do “espetáculo”: tornamo-nos eternos desconhecidos de nós mesmos, até porque nunca nos procuramos, como poderíamos vir a nos achar?
– O encontro consigo mesmo se tornou uma grande maldição! Mas o culto à distração é uma ilusão perversa: no dia seguinte temos de enfrentar problemas e angústias, e precisaremos de novo e de novo de uma nova dose de distração para aguentar o baque da realidade e o tremendo vazio espiritual que nos assalta.
– Isso, é claro, tem tido um tremendo efeito sobre a espiritualidade cristã. E não é à toa que a música tem sido a grande campeã da espiritualidade: as pessoas se tornaram tão viciadas no desvario e êxtase provocados pelas “batidas” de uma canção que já não se importam mais com o que estão cantando; desde que comova é uma benção. [Não sou contra comoção!]
– Há muito tempo o canto em que há beleza e estética, mas também reflexão, não nos atrai [é claro, estou falando em termos genéricos, sempre há exceções]. O autor chama isso de “frivolidade”: uma maneira de ver a vida pela ótica da aparência e não do conteúdo.
– Llosa diz algo sobre o jornalismo que vale muito também para a igreja: “o jornal ou o programa [ou a igreja] que não rezar no altar do espetáculo hoje corre o risco de perdê-lo e ficar falando para fantasmas” (p. 51).
Podemos ler tudo através de, ao menos, três lógicas:
(1) Demonização: a cultura é má, o mundo jaz no maligno, o remédio então é se afastar (resposta clássica da igreja);
(2) Adesão: entregar-se acriticamente ao culto do espetáculo (resposta clássica do paganismo);
(3) Participação: reconhecimento crítico de que fazemos parte disso (sem cinismo ou hipocrisia), mas que temos reservas e não nos rendemos a qualquer coisa.
– Ouso dizer que essa última foi a resposta de Jesus. Ele era um homem de seu tempo e de sua cultura, mas não os tomava como parâmetro último de sua espiritualidade e missão. Ele pode nos ajudar a desenvolver uma espiritualidade da resistência e não submissão, ou “uma espiritualidade nada espetacular”, como diz meu título.
Transição
– O texto de Lucas 4 nos mostra que, como um ser humano comum, Jesus também passou por tentação (e “não há tentação que não seja humana” – Ellul). Lerei as três tentações de Jesus como sendo, também, três tentações da espiritualidade na era do espetáculo.
1 – Colocar a espiritualidade à serviço do ego (v. 3-4)
– Passou por uma “prova” (teste-tentação) e “Teve fome” (v. 2). O mais óbvio pensamento é em comida. Preciso saciar a minha fome.
– Se pensarmos nos 40 dias no deserto como um “sacrifício” (religião), é tipicamente humano concluir que, depois de tudo, é o mínimo que ele merecia, se alimentar.
– E por que não transformar essas pedras em pão? Que mal há nisso? O Diabo diz: “Já que você é o filho de Deus”, você quer, você pode. Você é Deus!
– Percebam, irmãos, como a primeira tentação é a mãe de todas, é a cobiça. Assim como a serpente fez com Adão e Eva, a oferta aqui é clara: usurpar o lugar de Deus!
– Na era do espetáculo, a cobiça é senhora e mestra! E não basta satisfazer as necessidades básicas, mas as que são criadas o tempo todo com vistas a nos “satisfazer”.
– A grande ironia é que a estrada do “se sentir bem consigo mesmo” não tem fim…
– Resposta de Jesus: “É preciso mais que pão pra viver de verdade” (v. 4).
2 – Divorciar a espiritualidade da integridade (v. 5-8)
– No pico de uma alta montanha, o Diabo faz outra oferta sedutora: os reinos da terra são meus, te darei todos eles se você me adorar! (“Tentação do poder”, Ellul)
– Imagine que um candidato com boas intenções recebe uma oferta sedutora. “Me deixa te ajudar a ganhar essa campanha”! O problema: “quem financia também quer mandar”.
– Situação de Jesus: colocar o poder político à serviço do Evangelho e servir-se dele para o bem, ou depender somente de Deus e desafiar outros poderes?
– Infelizmente, no século IV, a igreja cedeu a essa tentação: deu a César o que é de Deus.
– Mas não é preciso ir muito longe, essas propostas permeiam o nosso cotidiano. Na era do espetáculo, os fins quase sempre justificam os meios.
– Resposta de Jesus: adorar somente a Deus; servi-lo com inteireza de coração. Ser integro é ser inteiro. Mas a espiritualidade de Jesus mostra que isso pode terminar na cruz.
3 – Submeter a espiritualidade à espetacularização (v. 9-12)
– A última tentação é “religiosa” (Ellul). Jesus é levado ao alto de um templo em Jerusalém, e o Diabo diz: salta daqui, porque segundo o Salmo 91, os anjos vão te amparar.
– Aliás, Lucas coloca na boca do Diabo o melhor exemplo do que acontece quando você tira um verso bíblico do contexto (do texto e da revelação) para embasar um argumento.
– A tentação aqui é a Deus: faça Deus provar para esse povo todo que Ele é Deus e que você é Filho Dele! Em outras palavras ele está dizendo: banalize o dom de Deus!
– Submeter a espiritualidade ao espetáculo religioso (de cura, êxtase, milagre, etc.) é a forma mais comum de colocar Deus à prova também hoje; lugar comum na “era do espetáculo”.
– Resposta de Jesus: “não tenha ousadia de colocar Deus à prova” (v. 13). Jesus se recusa a trocar o relacionamento de amor com o Pai por provas baratas.
– A verdadeira vocação espiritual não é para fazer milagres e sim para exprimir o amor. A verdadeira vocação espiritual não combina com circo exibicionista. Porque exibicionismo espiritual exibe a pessoa, e não o Deus que ela diz amar e servir.
Conclusão
Consequências da opção por uma “espiritualidade não espetacular” na vida de Jesus:
(a) Abraçou a via profética (v. 16-21);
(b) Não necessita de “reconhecimento” (v. 23-27);
(c) Ensina com autoridade (v. 31-32).
Se a igreja quiser testemunhar com autoridade na era do espetáculo precisará abandonar “o sofisma” e passar a viver mais o Evangelho.
Autor: Jonathan Menezes
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