Nenhum outro evangelho

O mundo sempre esteve em transição. Todavia, as transições das últimas décadas tem se dado em alarmante velocidade. As coisas ficam obsoletas rapidamente. No dia 3 de abril de 1973 Martin Cooper ligou para um telefone fixo diretamente de uma esquina do centro de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Seu aparelho pesava cerca de um quilo.
Dr. Michio Kaku, afirma que hoje os “celulares possuem mais poder computacional que a NASA em 1969, quando ela enviou dois astronautas para a Lua”. O mesmo se via com a combinação de sistemas adotada pela missão Apollo 11, contando com máquinas que tinham 64 KB de memória RAM. Hoje já temos celulares com 4 GB de memória RAM.

Nesse mundo de hoje e no do futuro, como entender uma mensagem antiga a respeito de uma pessoa que se diz o salvador de toda a humanidade e que o ele fez como sendo o único caminho para Deus?

Transição:

Quero refletir nessa oportunidade a respeito do evangelho de Jesus Cristo. Inicialmente faço duas reflexões sendo a primeira sobre os fundamentos do verdadeiro evangelho e a segunda sobre os questionamentos ao verdadeiro evangelho. Vou concluir com duas observações para os nossos dias.

I. Os fundamentos do verdadeiro evangelho 1-5

1. Nesses cinco primeiros versos temos algumas verdades que precisam ser destacadas e que fundamentam a veracidade do evangelho. Apenas aponto esses detalhes sem entrar em mais explicações.

a. Paulo se apresenta como um apóstolo enviado por Deus Pai e também por Jesus Cristo. O termo apóstolo significa aquele que é enviado com a mesma autoridade do que envia.

b. Apresenta Deus como Pai e que ressuscitou a Jesus Cristo de entre os mortos.

c. Apresenta, ainda que indiretamente, que ele faz parte de uma comunidade seguidora do mesmo Deus e Cristo.

d. Apresenta Deus o Pai e Cristo como os autores da graça e da paz.

2. Todavia, a grande declaração a respeito do evangelho é encontrada no verso cinco: O qual se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau, segundo a vontade de Deus nosso Pai. De acordo com M. Lutero, Paulo direciona cada palavra contra a auto justificação e segundo Meyers ele já prepara seus leitores para que reconheçam seus erros ao incorporarem outros elementos no processo salvador realizado por Cristo.

a. Jesus entregou-se por nossos pecados

– Ele se deu – como um presente, oferecimento livre, gratuito. Paulo aqui faz eco das palavras do próprio Cristo: “O Filho do homem… veio para dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20.28).

– A expressão “por nossos pecados” merece destaque. Ele morreu por pessoas pecadoras para tirar delas os seus pecados. Tirar os pecados foi o propósito da morte. Ele morreu para evitar o sofrimento humano.

– A doutrina reformada afirma que a libertação da condenação do pecado é um ato soberano de Deus realizado em Cristo em nosso favor. A nossa ação nessa doação de Cristo é receber o presente ofertado – a sua própria vida, nesse caso o evangelho, pois Cristo é o evangelho.

b. Jesus entregou-se para nos livrar do mundo mau

– Em outros textos do Novo Testamento aprendemos que Cristo entregou-se para resgate por todos, em resgate por uma multidão, dar a sua vida em redenção por muitos, remir os que estavam sob a lei, remir-nos da maldição da lei, nos resgatar de toda iniquidade.

– Nesse texto Paulo indica outra ideia: livrar-nos do mundo mau.

> Temos diferentes versões que nos ajudam a entender o sentido do texto: para nos livrar do presente século mau; para nos livrar do presente mundo perverso; para nos libertar da perversidade do mundo presente.

> O verbo usado por Paulo nesse verso aparece poucas vezes no NT. A ideia é de arrancar, desenraizar. Para se ter a noção da força dessa expressão, ela foi usada por Jesus Cristo ao dizer: “Se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o… (Mateus 5:29).

> Ou seja, expressa a ideia de que o Cristo fez por nós foi de nos arrancar do presente século mau, da presente época que vivemos cheia de maldade em contraste com o mundo porvir é uma era justiça e regeneração. De acordo com Martinus de Boer, a gramática usada para libertar refere-se tanto ao futuro (a libertação que ocorrerá) bem como ao presente (a libertação que ocorreu). Também concorda que se refere ao hoje e ao futuro.

> Como isso se dá essa libertação? Será que Paulo está sugerindo que nos alienemos do presente século e nos afundemos em uma pretensa santidade isolada? Creio não ser essa a sua sugestão. No capítulo seis, por exemplo, ele indica que os cristãos devem fazer o bem aos domésticos da fé e a todos indistintamente. Para que isso aconteça é necessário estar no mundo.

> Paulo está indicando que ao recebermos o perdão dos pecados, já não estamos mais sujeitos e sim livres da prática da maldade.

c. Jesus entregou-se para fazer a vontade de Deus o Pai.

– Expressa que a entrega de sua vida foi em obediência ao plano redentor de Deus.

– Note que ao chamar Deus de Pai (mais uma vez), Paulo aponta para o amor paterno de Deus para com as suas criaturas. Foi esse amor a causa motivadora do envio de Jesus.

– A vontade de Cristo está em perfeita harmonia com a vontade de Deus Pai.

2. Os questionamentos ao verdadeiro evangelho, 6-10

1. A carta aos cristãos da Galácia foi escrita com um propósito: As igrejas da região eram compostas de cristãos gentílicos, portanto, incircuncisos. Eles haviam recebido a fé cristã, mas, um grupo de agitadores insistia que eles devessem aceitar também a tradição dos judeus. O objetivo de Paulo é convencer, com fortes argumentos, que ninguém precisa se submeter aos ditames da tradição judaica, mas sim permanecer firme em Cristo.

2. Paulo inicia essa nova sessão com uma advertência e uma imprecação (maldição, praga).
– Diferentemente de suas outras cartas quando ele mencionava alguma coisa favorável a respeito de seus ouvintes ou o conteúdo de suas orações em favor da igreja, Paulo inicia o seu tema de forma abrupta e com severas advertências que certamente pegou seus ouvintes de surpresa. Devemos lembrar que a carta era lida publicamente na igreja.

a. Paulo expressa a sua consternação ao que se passa na Galácia

– O problema que perturbava Paulo era o abandono do evangelho de Cristo para um evangelho diferente. O texto não indica quanto tempo se passou entre o recebimento do evangelho e agora a deserção do evangelho.

– Esse abandono leva Paulo a dizer-se admirado. Ele usa um verbo que expressa o seu choque com uma ponta de irritação ao que está acontecendo. Ele reitera isso em 4.20, “estou perplexo a vosso respeito”.

– Essa admoestação, ainda que irritadiça, é feita dentro do contexto da irmandade que compartilhamos em Jesus Cristo (conf. 1.2). Ele inclui os cristãos da Galácia nessa fraternidade dirigindo-se a eles já a partir do verso 11 como irmãos. Termo que ele usará por nove vezes na carta. Segundo Calvino, essa admoestação é moderada.

– O verbo usado por Paulo para desertar é usado para a mudança de uma escola de pensamento para outra ou de uma religião para outra. É a troca de lealdade. Essa troca de lealdade é uma forma de apostasia – afastamento da fé, conforme 5.4: “Vós, que procurais a vossa justificação na Lei, rompestes com Cristo: decaístes da graça”. Aquele abandono estava ocorrendo exatamente no momento em que Paulo escrevia a carta.

b. Paulo amaldiçoa quem prega um evangelho contrário ao que ele pregou.

– Paulo não aceita a ideia de um segundo evangelho que co-existe lado a lado com o evangelho de Cristo.

– Esses pregadores perverteram o evangelho. O que foi oferecido por Deus por meio da graça deve ser alcançado pela observância das leis e tradições judaicas.

– Quem anunciar outro evangelho deve ser amaldiçoado e banido da igreja. Paulo é mais tolerante com os ouvintes do outro evangelho do que com os pregadores. Em nenhum outro lugar Paulo expressa em linguagem tão pesada o que ele pensa dessas pessoas. Ser amaldiçoado ou ser destinado à destruição. Num sentido é como dizer que essas pessoas não conheceram a graça salvadora e continuam em seus estágios de condenação.

3. Como Paulo argumenta em favor do verdadeiro evangelho?

– O verdadeiro é uma iniciativa de Deus que faz o chamado para a salvação. Quando Paulo sugere que não há outro evangelho ele está afirmando que não há outra mensagem que se equipara à aquilo que Deus fez.

– O verdadeiro evangelho é produto da graça de Cristo. O termo “evangelho” deriva da combinação do advérbio grego “eu” que significa bom e o substantivo “angelos” que significa “mensagem”. Cristo é o evangelho, ele é a boa mensagem de Deus para a humanidade.

– Não há dois evangelhos, apenas um – o de Cristo.

– Evangelho pregado pelos agitadores é não-evangelho. Produto da mente humana, uma adição espúria ao que Cristo realizou na cruz.

4. As motivações para servir ao verdadeiro evangelho

– Paulo certamente contrasta sua vida atual com seus dias no judaísmo quando se esforçava sobremaneira para agradar os judeus e os líderes religiosos do Sinédrio. Agora, diz ele, eu procuro ser amigo de Deus e ganhar o favor dele e não das pessoas.

– Paulo está livre daqueles desejos.

– Sabedor de que sua carta e admoestação poderá gerar criticas e acusações ele se adiante para dizer que não está interessado em agradar as pessoas da comunidade mas sim a Deus. Sendo Deus o autor da salvação e da sua salvação porque deveria ele agradar as pessoas e não a esse Deus?

– A sua correta motivação, se alguém tem dúvidas, é agradar a Deus. Ele reforça essa ideia enfaticamente no verso

10.Conclusão

Como devemos entender essa mensagem para nossos dias? Olhando para o que se passa em nosso contexto religioso e especialmente protestante/evangélico teríamos alguma razão para temer uma deserção do evangelho de Cristo para alguma coisa similar ao evangelho?

Se pensarmos em termos atuais, quais seriam os perigos ao verdadeiro evangelho? Aponto para duas possibilidades:

1. O perigo fora da igreja da pluralidade religiosa
Certamente que em nossa moderna e pós-moderna sociedade, afirmar a supremacia de Cristo em oposição a tantos esquemas salvadores é uma afronta ao propósito da boa vizinhança religiosa do politicamente correto.
Hoje temos amigos de outras religiões ou de religião nenhuma. A globalização aproximou as religiões e as trouxe para perto de nós.

O problema com o pluralismo religioso é que todas as religiões trabalham com o mérito humano para alcançar a salvação. O exemplo está no próprio texto estudado: a morte de Cristo não é suficiente.
Nós caminhamos a passos rápidos para a aceitação de que a morte de Cristo é suficiente para os cristãos, mas não para todo o mundo e assim viveremos felizes porque seria retirado de nós o peso e o mandamento de fazer Cristo conhecido entre todas as nações.

2. O perigo dentro da igreja de práticas estranhas

Talvez seja esse o grande dilema da igreja hoje. Ter recebido a Cristo não é suficiente para conferir todas as bençãos da nova vida. Muito ainda precisa ser feito para tornar a salvação autêntica.
Exemplos:

Cura interior – as maldições hereditárias não acabam na cruz, é preciso fazer algo mais.
Confissão positiva – tomar posse de algo que não aconteceu mas que se deseja que aconteça.
O evangelho da prosperidade – depende da nossa fé e dos nossos esforços.
O evangelho da saúde plena – tomar posse pela fé de que ficará isento das doenças e se doente for, ficará curado.
Tantas outras coisas foram incorporadas na prática da igreja que diluem a suficiência da cruz de Cristo. Estas coisas passam a ser os sinais da verdadeira salvação e não o recebimento do que foi feito na cruz.

Quero convidar você a repensar o seu cristianismo e a sua lealdade a Cristo. Durante a próxima semana peço que você leia e releia esse pequeno texto e ore pedindo a Deus mais fervor para com o evangelho e sua causa. Somente um cristianismo vivo e autêntico poderá fazer a diferença nesse mundo.
ACBarro

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