A receita da vitória

Os amalequitas vieram e atacaram os israelitas em Refidim. Então Moisés deu a Josué a seguinte ordem:

– Escolha alguns homens e amanhã cedo vá com eles lutar por nós contra os amalequitas. Eu ficarei no alto do monte com a vara de Deus na mão.

Josué fez o que Moisés havia ordenado e foi combater os amalequitas. Enquanto isso, Moisés, Arão e Hur subiram até o alto do monte. Quando Moisés ficava com os braços levantados, os israelitas venciam. Porém, quando ele abaixava os braços, eram os amalequitas que venciam. Quando os braços de Moisés ficaram cansados, Arão e Hur pegaram uma pedra e a puseram perto dele para que Moisés se sentasse. E os dois, um de cada lado, seguravam os braços de Moisés. Desse modo os seus braços ficaram levantados até o pôr-do-sol. E assim Josué derrotou completamente os amalequitas.

O título da mensagem pode parecer um tanto pedante: “A Receita para a Vitória”. Pode parecer uma receita de bolo pronta: aqui está como fazer para ter a receita para a vitória. Tenho receio dessas simplificações e, além delas, das fórmulas feitas, que por vezes ignoram circunstâncias e particularidades de cada grupo e de cada comunidade. Mas nós podemos, em linhas gerais, andar por aqui.

Nenhum de nós, quer como pessoa, quer como comunidade, como igreja, deseja experimentar revezes na sua vida. Todos nós desejamos vencer e as igrejas também querem. A chegada de um novo pastor para uma igreja cria algumas expectativas na mente do povo e também com o próprio pastor. O que acontecerá? A igreja melhorará? Piorará? Ficará como está? O que vai acontecer ? Para que esta caminhada que hoje os dois iniciam juntos dê certo o que é necessário?

Sem procurar essas fórmulas mágicas mas analisando o texto lido, podemos ver alguns princípios que podem nos ajudar a responder essa questão de como ter a receita para a vitória.

É a primeira batalha que Israel trava depois de sua libertação. A rigor não é ainda povo. É uma massa de ex-escravos. Sua organização social é precária. Está sem armamento, não tem técnicas de guerra e até mesmo seu senso de unidade é pouco, posto que há muita gente que está ali, chamado em outro texto de “o vulgo da terra”, que segue com eles sem nenhuma convicção do que está fazendo.

Mas este povo que está fazendo esta caminhada pelo deserto é na realidade um quadro da Igreja. Somos uma comunidade peregrina em busca de sua pátria. Um povo que teve uma experiência com Deus, que à semelhança de Israel tem a convicção de que Deus entrou na sua vida, foi tirada da sua situação e colocada dentro de um projeto de Deus, em interação com outras pessoas, vive em senso de cooperação e está fazendo a sua vida cada dia. Eis um quadro da Igreja. Somos uma comunidade peregrina (se é que levamos a sério aqueles hinos que falam de vida futura) tivemos uma experiência com Deus que nos abriu os olhos, nos trouxe a sua graça na pessoa de Jesus Cristo, fez com que nós fôssemos colocados uns nas vidas dos outros formando um grupo. Somos uma família, uma pátria e devemos viver em senso de cooperação .

O texto mostra o valor de um líder. Um bom líder conduz à vitória. Mas o texto mostra que um líder sem auxiliares competentes não é nada. E vai mais além em mostrar que um líder, mesmo com determinação, com auxiliares competentes, mas sem o envolvimento de todos, também não vai a ponto nenhum. Eles enfrentam o inimigo, que são os amalequitas. Sobre eles leiamos Deuteronômio 25. 17-18. É o que se chama de tática de hiena.

Lembra-te daquilo que os amalequitas fizeram quando vocês estavam saindo do Egito. Eles não temeram a Deus e, quando vocês estavam cansados e desanimados, eles os atacaram de surpresa e mataram os mais fracos, que vinham vindo atrás dos outros.

É isto que eles estão enfrentando, um povo guerreiro, um povo armado, um povo que conhece o deserto e ataca com a tática da hiena. Em vez de enfrentar de frente, vem lá pelos fundos. Lá na traseira da multidão estão os anciãos , os cansados, crianças e os doentes. Os guerreiros estão lá na frente. E eles vem atacando os mais fracos e vem com isso derrubando uma boa parcela dos israelitas até que chega o momento do confronto.

É um confronto aparentemente desigual, porque eles são ferozes, são guerreiros, têm armas, têm treinamento militar, têm uma estrutura social. Os hebreus são uma massa de ex-escravos, sem treinamento, sem armas e sem estrutura social. Mas venceram. Como?
O que é que esta história pode nos apresentar, como igreja de Cristo, para responder a esta questão de qual é a receita para a vitória? Apenas dois ingredientes que eu gostaria que os irmãos prestassem atenção, que entesourassem no coração e que partilhassem comigo durante o tempo em que nós trabalharmos juntos.

Primeiro: a compreensão que cada crente deve ter de que faz parte de um todo. Veja que há uma diversidade de funções. Há um líder, que é Moisés. Há assessores, Arão e Hur, e há militares, Josué e os seus. Eles se juntam para uma obra. Poderemos fazer uma pergunta: qual é o mais importante? Alguém diria: “é Moisés”. Sim, quando Moisés levantava as mãos, Israel prevalecia. Mas ninguém agüenta ficar muito tempo com as mão levantadas e quando ele ia cansando e as mãos abaixando, Israel perdia. E se não erguessem as suas mãos? “Tem razão, então não é Moisés mas Arão e Hur, porque eles providenciaram um banquinho em forma de pedra, ele assentou-se e com um de cada lado segurando a sua mão e mantendo-a erguida, Moisés conseguiu ficar o dia inteiro com a sua mão erguida. Tem razão, não era tanto Moisés, mas Arão e Hur”. Sim, mas e se Josué e os guerreiros não dessem duro lá em baixo lutando? “Tem razão. Então Josué e os guerreiros”. Sim, Josué e os guerreiros estavam batalhando lá em baixo mas quando as mãos de Moises cansavam eles perdiam! Podemos ficar num círculo vicioso. O mais importante não é Moisés. O mais importante não são Arão e Hur e nem os guerreiros. Cada um tinha uma tarefa a cumprir. Cada um aceitou a sua responsabilidade. Cada um se desincumbiu eficientemente do que tinha que fazer. Eles compreenderam que o fracasso de um seria o fracasso de todos e que o acerto de um seria o acerto de todos. O que estava se desenrolando não era a causa de Moisés, não era o prestígio de Moisés como líder e nem a capacidade de Arão e Hur de socorrerem a Moisés. O que estava em jogo era a existência do povo, era a sua vitória.

Uma das coisas mais daninhas para a igreja é quando um crente não tem noção de que ele faz parte de um todo. Ele presume ou que batalha sozinho e enxerga a sua batalha, a sua atividade cristã, e não se vê inserido dentro de uma igreja, dentro de uma comunidade. Ou quando ele julga que é desnecessário, que não faz falta, é um só, é tão pequeno, e se não estivesse ali não faria diferença nenhuma. Acompanhem-me, por favor, no texto de Paulo aos Romanos 12:3-8.

Por causa do dom que Deus, na sua bondade, me deu, eu digo a todos vocês: não se julguem melhores do que realmente são. Ao contrário, sejam modestos nos seus pensamentos, e cada um julgue a si mesmo conforme a fé que Deus lhe deu. Porque, assim como em um só corpo temos muitas partes, e todas elas têm funções diferentes, assim também nós, embora sejamos muitos, somos um só corpo por estarmos unidos com Cristo. E todos estamos unidos uns com os outros, como partes diferentes de um só corpo. Portanto, usemos os nossos diferentes dons, que nos foram dados pela graça de Deus. Se o dom que recebemos é o de anunciar a mensagem de Deus, façamos isso de acordo com a fé que temos. Se é servir, então devemos servir; se é ensinar, então ensinemos; se é animar os outros, então animemos;. Quem reparte com os outros o que tem, que faça isso com generosidade. Quem tem autoridade, que a use com todo o cuidado. Quem ajuda os outros, que ajude com alegria.

O ensino que nos fica é que cada crente tem uma função a exercer no meio do povo de Deus e para que a igreja alcance a vitória é preciso cultivar responsabilidade e solidariedade. Nós não trabalhamos isolados e cada um faz parte de um todo. Este é o primeiro ingrediente: a compreensão que cada crente deve ter de que faz parte de um todo.

O segundo ingrediente é a compreensão que cada crente deve ter do seu valor pessoal. Moisés, Hur, Arão, Josué, os seus soldados, cada um tinha algo a fazer. Não competia a Moisés fazer o trabalho de Josué. Não competia a Josué fazer o trabalho de Arão e Hur. Não competia a Arão fazer o trabalho de Moisés, ou a Hur fazer o trabalho de um comandado de Josué. Sem ciúmes, sem queixas, sem desejo de prepotência, de mando, de domínio, cada um compreendeu que tinha um trabalho específico a fazer e que se não fizesse viria a derrota.

Aqui nós devemos evitar, como já acenei antes, dois equívocos no nosso meio. Um é quando o crente pensa que não tem valor. Ele não tem instrução, não tem capacidade, não tem cultura nenhuma. Outros, em vez de serem omissos, como estes que se julgam incapazes, julgam-se muito capazes, tornam-se prepotentes, sócios de Deus, impositores da verdade e só as suas idéias são válidas.

Moisés é o líder e as mãos erguidas são um símbolo do seu ofício profético. Arão e Hur são os seus assessores e poderiam dizer: “Isto não é problema nosso. Moisés que se vire”. Mas eles disseram: “Isso é nosso”. Josué e os soldados poderiam dizer: “Moisés está numa boa, sentadinho, e nós aqui é que estamos derramando sangue”. Mas cada um reconheceu o seu lugar. Nenhum deles se omitiu e nenhum deles exorbitou.

Fui aluno de alguns dos maiores vultos da história batista no Brasil, como José dos Reis Pereira e João Filson Soren, mas a pessoa que mais marcou a minha vida no Seminário foi a lavadeira, dona Mariquita. Ela tinha estudado até a 3a. série primária no interior de Minas. Era semi-alfabetizada. Nós éramos membros da mesma igreja, a Igreja Batista Itacuruçá, e eu gostava muito de conversar com ela. Num sábado em que fui lá pegar minha roupa, ela contou uma experiência que ela teve na Igreja: “Pois é, eu ficava nesta igreja, tem uns dez pastores, professores de teologia, médicos, engenheiros, advogados, políticos e eu ficava pensando: Gente, o que eu vou fazer nesta igreja? Eu mal assino o meu nome direito. Não posso fazer nada. Sou inútil nessa igreja”. Então, um dia pregou lá um missionário que tinha um vocabulário pequeno. Estava aprendendo a língua,. Mostrou o templo e disse assim: “Templo muito grande, parede muito bonita, faltou tijolinho feio faltou tudo”. E dona Mariquita entendeu aquilo e disse: “Muito bem, eu vou ser o tijolinho que ninguém vê mas que segura a construção”. E ela disse assim: “Eu me sinto orgulhosa, Isaltino, porque todo domingo eu prego e ensino em mais de 30 igrejas através das camisas que eu lavo e dos colarinhos que eu passo. O meu ministério é ser lavadeira”.

Hoje, quem chega no Seminário do Sul, encontra lá, Edifício Doutor Crabtree, Edifício Dr. Fulano de Tal, Edifício Dr. Beltrano, mas lá encontra, também, a Casa da Tia Mariquita. Aquela senhora que não tinha nenhuma instrução entendeu que Deus lhe destinou um ministério. O seu ministério era ser lavadeira. E ela fazia isto com todo amor. Se não fosse a tia Mariquita nós não teríamos roupa lavada. Quando um seminarista ficava doente (lá havia um rigor muito grande, nos prédios femininos não entrava homem, e vice-versa) tia Mariquita passava por cima do regulamento e ia lá levar uma sopa para o aluno doente. Alguém gritava: ”A tia Mariquita vai entrar”, e todos se arrumavam e ela entrava para cuidar dos seminaristas. Não só comigo, mas para muitos pastores espalhados hoje pelo Brasil, a figura da tia Mariquita está muito bem gravada no coração.

Nenhum crente pode dizer diante de Deus: “Eu sou muito simples, eu sou muito tímido, eu sou despreparado, não há coisa para eu fazer nesta igreja, não há o que eu possa fazer pela obra de Deus, não tenho competência”.

Em contrapartida (não é para falar mal de Bauru, não) me lembro de um culto de oração lá em que um crente orou assim: “Senhor, ajuda o teu servo pastor a ganhar a cidade de Bauru para Cristo”. Fiquei pensando: “Que oração cômoda: Senhor que ele faça o trabalho”. Não é assim, mas é quando cada um compreende: “Eu tenho valor, eu posso ser um instrumento nas mãos de Deus”.

Caminhando para o fim: Charles Spurgeon, considerado o príncipe do púlpito batista, começou a pastorear com 18 anos de idade e com 21 tinha feito uma revolução na Inglaterra. Quando sua igreja dedicou um templo com capacidade para 5000 pessoas, outras 5000 ficaram do lado de fora. Aos quintos domingos de cada trimestre ele pedia para os membros da igreja não irem para dar oportunidade às pessoas que tentavam assistir um culto lá e não conseguiam. Ele conta, em uma de suas obras, que numa ocasião teve um sonho. Neste sonho, Deus lhe disse: “Você não vai receber um galardão sequer por todas estas pessoas que se convertem aqui na Igreja”. Spurgeon perguntou: “Por quê?”. A resposta foi: “O galardão é daquele senhor idoso, cego, que se senta no primeiro banco orando pelos perdidos”.

Não há alguém que não possa dizer: ”Eu não tenho nada para fazer!”. Tem o ministério da oração, da solidariedade, da compreensão. Pode ser útil.

A última história e vamos ao fim. Eu fazia conferências na Igreja Memorial da Tijuca, no Rio de Janeiro. Havia um irmão muito interessante que chegou, olhou e disse assim: “Tem pouca gente, não é?”. Aí ele saía, abordava as pessoas na rua e ia jogando as pessoas lá para dentro. Perto da Igreja havia um quartel da Polícia do Exército. Vinham aqueles soldados de 1,90m. Esse irmão, Isaías, baixinho, abriu os braços, todos pararam assustados, e ele disse assim: “Quantas horas têm num dia?”. Os soldados olhavam para ele e diziam: ”24”. “Quantos dias numa semana?”. A resposta: “Sete”. “Quantas horas numa semana?”. Um que parecia ser o líder, disse: “168”. “Quantas horas vocês deram para Deus nessa semana? Nenhuma. Vem cá, vamos dar uma hora para Deus”. E eles iam para a Igreja. Passaram-se os anos, e eu estava pregando na Igreja da Liberdade, em Boa Vista, Roraima. Esta história que contei agora, contei lá. Levantou-se um sujeito lá no fundo e disse assim: “É verdade, eu vinha passando pela rua e esse Isaías me agarrou e me colocou lá dentro da Igreja e eu me converti”. Foi até bom porque foi um reforço para o sermão. Se houver algum convertido do Isaías aqui também pode se apresentar. Mas era o dom daquele irmão. Não servia nem para fazer uma oração em público, mas tinha o dom da simpatia e de colocar as pessoas para ouvir o evangelho.

Cada um de nós tem espaço no reino de Deus. Cada um de nós tem algo a fazer pela obra de Deus e se devemos ter uma compreensão de que devemos fazer parte de um todo, devemos ter a compreensão de que cada um de nós tem valor pessoal.

Nos capítulos iniciais do livro de Atos dos Apóstolos, quando a história da igreja primitiva é narrada, há algumas expressões sinônimas que se repetem: “todos, um só, unânimes, unanimemente, como um só homem, a uma só voz”. A marca mais acentuada da igreja primitiva não era o barulho, não era o alarido, não eram as manifestações extraordinárias do Espírito Santo. A marca mais acentuada da igreja primitiva, do início de sua história, era que eles eram unidos e formavam um só corpo. Se engajavam num projeto como uma só pessoa. E a primeira vez que alguém quebrou a unidade da igreja foi um casal que desejou ser mais que os outros, Ananias e Safira. A punição foi a morte. Não estou rogando praga e nem dizendo que quem não fechar comigo vai morrer. Por favor, não é isto. Mas o livro de Atos é muito claro: o segredo da vitória de uma comunidade cristã está na sua coesão ao redor de um propósito. Que a Igreja Batista do Cambuí se lembre da primeira mensagem do seu pastor: a compreensão que cada crente deve ter que faz parte de um todo e a compreensão que cada crente deve ter do seu valor pessoal. Com isto a vitória vem.

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